O facto é digno de registo, mas o referido parecer vai mais longe quando procura interpretar ca posição do povo», exprimindo-se o seu relator da seguinte forma:

Estas as fontes que chegam até nós a pedir solução, a implorar remédio, a oferecer concurso, a mostrar, numa palavra, aos Poderes Públicos a necessidade de disciplinar o rio e de defender os campos da destruição e da ruína. Mas para além destes está a arraia-miúda, a que mais sofre, aquela que, em noites de vigília, percorre as motas e denuncia as quebradas.

Esta gente está entre a que mais deseja que esta obra se realize e, como não tem audiência, é preciso que aqui figure e que aqui esteja presente, com o seu silêncio acusador, a recriminar o desleixo a que o seu no tem sido votado.

É que eu mesmo sou testemunha dessas noites de vigília, quando, com a temeridade e a inconsciência do adolescente, percorria noite fora com essas aterradas criaturas as motas e os valeiros, numa inspecção angustiosa, sempre à espera que se visse a água ressumar do lado de fora e o inevitável surgisse.

O grito «quebrada!» ainda ecoa aos meus ouvidos, retransmitido como um eco ao longo dos campos e das povoações ribeirinhas, sorno um eco a que o quadro apocalíptico do no em fúria emprestava na noite tempestuosa laivos patéticos de tragédia consumada.

Para além dos comentários que o parecer do Conselho Superior de Agricultura contém a respeito de diferentes aspectos fundamentais do aproveitamento da obra, pode descortinar-se o sentido realista que exprime no fundo, prevalece uma dúvida irreprimível das populações do Mondego quanto aos resultados, não deste plano, mas de qualquer plano. Devemos interpretar essa dúvida como um desafio construtivo lançado aos técnicos e as técnicas, desafio que esta Câmara gostaria de propor que fosse aceite em todo o seu sentido, em todo o seu significado - nunca será de mais o que se promova para estudar melhor o maior dos rios nados e criados no continente português - estudar o rio e os seus problemas, que são problemas da sua gente.

§ 2.º Breve nota quanto ao enquadramento do plano nas referidas da hidráulica agrícola O Mondego, um rio de regime caracteristicamente torrencial, tem, como é natural, a sua atribulada história. E fácil tomar consciência da gravidade do «problema do Mondego» quando se lê o que ficou escrito na abertura do plano em estudo, que mostra as tentativas de um passado já distante, desde as obras projectadas pelo P.ª Estêvão Cabral, em 1781, passando pela inclusão da sobra do Mondego» no Plano de Estudos e Obras de Hidráulica Agrícola de 1988, até à decisão de planear de novo, em 1958, o aproveitamento hidráulico da bacia do Mondego. E, para finalizar esta descrição, acrescenta-se

Entretanto, no final de 1980, houve por bem o Conselho Económico tomar especiais resoluções para obviar & situação nos campos do Mondego flagelados, pelas cheias, pondo à disposição do Ministério das Obras Públicas uma dotação para incrementar os trabalhos de conservação e reparação, estabelecendo um regime permitindo a anulação total ou parcial da colecta da contribuição predia l, financiando os produtores de milho e arroz da região e fixando, a título transitório, um preço mais favorável ao arroz produzido no vale do Mondego.

O plano geral em estudo constitui, portanto, a actualização de uma das fases indispensáveis para, finalmente, se iniciarem obras destinadas a resolver o problema do Mondego. Apresenta-se assim inserido numa extensa e valiosa série de estudos que traduzem antigas e sempre renovadas preocupações quanto à realidade deste no indomado Seria longo comentá-los aqui e, dada a circunstância de o problema ter merecido largo e esclarecedor debate na Assembleia Nacional, em recente aviso prévio apresentado pelo Sr Deputado Nunes Barata (Diário das Sessões n.º 65, de 8 de Janeiro de 1963, e seguintes), julgamos estar o assunto profundamente analisado e documentado.

O que interessa é acentuar que a Câmara Corporativa também sente a gravidade do problema do Mondego e lamenta que ele não tivesse ocupado lugar idêntico ao de muitas outra situações já atendidas Não resta dúvida de que poucos anos serão bastantes para destruir nos campos do Mondego, de um modo espectacular e talvez irreversível, um valor fundiário superior ao custo de obras que até agora têm sido planeadas Se outra coisa não pudessem ser, essas obras deveriam ter constituído, pelo menos, soluções de emergência diferentes das simples reparações de «quebradas» nos diques, obras que procurassem entravar e não apenas remediar as consequências de um processo de erosão já antigo e nunca enfrentado.

Não pode deixar, ainda, de dar motivo a meditação o facto de o estudo do povoamento florestal da bacia hidrográfica do Mondego ter constituído uma das primeiras tarefas profissionais do saudoso engenheiro silvicultor Filipe Jorge Mendes Frazão, que nunca conseguiu dispor dos meios para passar à prática sequer uma boa parte do que, em seu estudo, tinha idealizado. E, no entanto, o referido técnico esteve sempre ligado à Direcção-Geral dos se admite poder verificar-se na vigência do Plano Intercalar, fica condicionado à aprovação definitiva do respectivo projecto e à obtenção de meios financeiros adequados, nomeadamente através da utilização do crédito externo.

A Câmara Corporativa, consciente de que nada pode influir no que respeita a sugestões quanto «à obtenção de meios financeiros adequados», reconhece a posição em que se encontra no que se refere ao preenchimento da outra condição «a aprovação definitiva do respectivo projecto».

Assim, no perecer (1) subsidiário da secção de Lavoura sobre a parte daquele Plano Intercalar que tratava da

(1) Actas da Câmara Corporativa n.º 82/VIII, de 17 de Novembro de 1064.