Quanto a estes aspectos, o grupo deseja deixar bem expressa, à partida, a sua convicção de que, se a Universidade Aberta vier apenas a constituir uma inovação tecnológica, isto é, se ela vier a limitar-se aos objectivos curriculares das Universidades de ensino directo, embora utilizando novos canais de comunicação didáctica, não será de modo algum «um instrumento do progresso da democracia em Portugal». Aceita-se que, a curto prazo, terá esta instituição de programar acções de formação para colmatar carências em sectores profissionais como os do ensino, da administração, da saúde, etc. É licito porém interrogarmo-nos sobre se, para que ela constitua um autêntico instrumento do progresso da democracia em Portugal, não deverão as suas raízes (definição institucional) procurar-se preferentemente em conceitos tais como:

a) A necessidade de repensar todo o sistema da relação escolar, procurando formas institucionais para a comunicação educativa que acompanhem os progressos das ciências da informação e actualizem o processo da aprendizagem quer em métodos, quer em conteúdos. Não parece que o conceito operacional de educação, e mesmo de instrução, como a aprendizagem de uma lista de dados elaborada e fornecida pelo educador (professor) ao educando (aluno) - para mais, quantas vezes sem qualquer relevância prática nem actualidade- possa subsistir por muito tempo, quando é certo que os diversos meios de comunicação social nos (a todos) levam a cisa ou ao local de trabalho ou de lazer, de forma bem mais sugestiva e interessante, a notícia do último acontecimento, a reportagem sobre a mais recente descoberta, etc. Debruçando-se sobre a sua própria prática e porventura sobre práticas alheias, a Universidade Aberta terá aqui um campo privilegiado de reflexão e pesquisa em ordem à actualização e democratização permanentes;

b) A necessidade de uma reflexão séria e profunda sobre fontes culturais e técnicas da civilização e sua comunicação, em orde m à descoberta ou redescoberta de uma identidade nacional e do seu enquadramento na comunidade internacional;

c) A urgência de integrar nos processos da cultura e do, saber estratos da população que nestes últimos anos foram deliberadamente mantidos na ignorância, mesmo do que constituía a sua riqueza cultural, e se viram muitas vezes espoliados dos produtos do seu engenho e da sua arte, levando-os a desinteressar-se, por exemplo, de práticas artesanais e outras de índole cultural que têm imenso interesse, até de ordem económica; A necessidade de tornar dinâmicos conceitos tais como cultura, ciência, qualificação profissional, etc. A organização escolar tradicional, por tendência estrutural para o conservadorismo e por imobilismo defensivo de grande parte dos seus agentes, deixou de poder corresponder, como conceito e como técnica de comunicação, às exigências de toda a espécie de mutações que se verificam nos variados sectores da vida humana. Estar em educação permanente é participar nas transformações ou, pelo menos, acompanhá-las em acto de conhecimento, mas isso só é possível pelo recurso a processos de comunicação que, por um lado, permitam uma elaboração simples e atractiva dos conteúdos relevantes e, por outro, cubram estratos cada vez mais amplos da população;

e) Finalmente, e sem excluir outras, só o conceito de direito-dever à formação em serviço e consequente promoção humana e sócio-profissional torna mais que necessário o recurso a novos sistemas de comunicação didáctica, sobretudo se se pretende ultrapassar os baixos índices de produtividade e desenvolvimento que têm caracterizado a sociedade portuguesa.

É por de mais evidente que o desenvolvimento de uma Universidade Aberta exige condições especiais de institucionalização e de meios de realização, sem os quais se teme venha a degenerar numa máquina burocrática de fabricar e distribuir textos.

O grupo chama a atenção, desde já, para quatro dessas condições que lhe parecem mais importantes.

a) Ser considerada, dentro da actual orgânica do Estado, um caso excepcional, concedendo-se-lhe ampla autonomia pedagógica, administrativa e financeira;

b) Ser dotada de estruturas muito móveis e flexíveis, em ordem a criar condições propícias ao dinamismo inovador e à realização das transformações dele decorrentes;

c) Dispor de meios suficientes para a realização das amplas e variadas tarefas que lhe cabem no âmbito da renovação e generalização do ensino superior, as quais exigem necessariamente investimentos vultosos;

d) Ser servida por pessoas que, para além da qualificação científica e técnica, possuam um elevad o grau de qualidades de inovação, criatividade, autocrítica e dinamismo.

Poderá haver quem pense (deseje) que a Universidade Aberta irá resolver grande parte das contradições do ensino directo, sejam elas meramente pedagógicas, sociais ou políticas.

Os signatários deste relatório põem reservas a uma tal concepção e preferem encará-la como um projecto científico de aplicação sócio-pedagógica, ambicioso certamente, mas cujos resultados estão dependentes de variáveis que só a experiência permitirá avaliar correctamente.

Como observação final deve notar-se que, sendo este relatório o resultado de trabalho de grupo, o seu conteúdo reflecte, na generalidade, as conclusões a que, em conjunto, os seus elementos chegaram. Isto não significa, porém, que, em determinados pontos, as opiniões individuais fossem sempre concordantes.

1. Utilização dos sistemas de ensino superior a distância: origens, objectivos, formas e resultados.