verifica-se o trinómio mãe-filho-outro. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se trata, agora, de alguém ceder algo que lhe pertence para beneficiar outro, mas sim de alguém ceder a terceiro algo que pertence a segundo. A ilação lógica é de que não basta o consentimento expresso da mulher (cf. artigo 2.º, n.ºs 1) para se satisfazerem as exigências éticas a que deve obedecer a colheita de leite para, embora exclusivamente para fins terapêuticos e científicos (cf. artigo 1.º), ser lícita. É ainda indispensável o reconhecimento, feito pelo médico, de que não resultarão, para o filho ou filhos em lactência, consequências nocivas previsíveis de tal acto.

Meus Senhores: Cada vez mais há necessidade de quem defenda os direitos fundamentais dos indefesos. Destes, os mais indefesos são os bebés. Mais que eles, só os bebés a quem ninguém chama assim, os bebés humanos antes de nascerem. Quanto tenho, pela palavra escrita e falada, defendido o direito inalienável à vida dos nos meios competentes, pois as taxas de morbilidade e de mortalidade não estão agravadas nos lactentes alimentados artificialmente de acordo com as normas adequadas, quando comparadas com as observadas nas crianças em regime de aleitamento natural. É certo que saúde não é só ausência de doença e que alguns estudos - insuficientes, aliás, para fundamento de opinião cientificamente válida - referem, mesmo nos lactentes alimentados artificialmente nas condições mais exigentes e que apresentam bom aspecto e bom apetite, desenvolvimento motor um tanto mais lento, erupção dentária mais tardia, menor tono muscular, curva de peso irregular, temperatura central menos constante e mais influenciável por factores externos (calor, humidade) e internos (digestão, choro, erupção dos dentes), sobrecarga funcional do rim. No capítulo sobre nutrição incluído no monumental tratado sobre bases biológicas da prática pediátrica, publicado em 1968 sob a responsabilidade do Dr. Robert E. Cooke, professor de Pediatria da Escola de Medicina da Universidade de Johns Hopkins, de Baltimore, Harold M. Nitowsky, professor de Pediatria da Escola de Medicina Albert Einstein, da Universidade Yeshiva, da Nova Iorque, declara que não há razões objectivas para considerar inferior o aleitamento artificial realizado conforme as normas higiénicas e dietéticas, reconhecendo, porém, que há que realizar mais estudos nesta perspectiva. Contudo, referindo-se concretamente ao recém-nascido, diz Nitowsky:

Poucos negam que a alimentação ao seio é a de eleição para o recém-nascido, por razões afectivas, higiénicas e de simplicidade, e por benefícios nutritivos.

É do mesmo parecer Janet Hardy, professor associado de Pediatria e professor assistente de Obstetrícia e Ginecologia na Escola de Medicina da Universidade de Johns Hopkins, conforme escreve no capítulo sobre assistência médica ao recém-nascido da obra acima citada. Janet Hardy acrescenta ainda, a título de possibilidade, sem demonstração estatística precisa, a profilaxia do cancro do seio e da mastite cística, de acordo com as sugestões de B. S. Lewison no seu livro, publicado em 1955, sobre diagnóstico e tratamento do cancro do seio.

Admitindo como provável ou possível que não acarreta quaisquer prejuízos o aleitamento artificial de crianças integradas em ambientes de elevado nível sócio-económico, temos de reconhecer, como o reconhecem unanimemente os especialistas, que em meios caracterizados por condições económicas, sociais e cultura deficientes é muito maior a taxa de morbilidade e de mortalidade nas crianças sujeitas a aleitamento artificial do que nas alimentadas ao seio. Para não fatigar V. Ex.ª com estatísticas estrangeiras, refiro que no serviço de pediatria do Hospital Escolar de S. João a quase totalidade dos lactentes com gastrenterites agudas são alimentados artificialmente, e que, conforme amável informação do director do referido serviço, da sua experiência em dois dispensários portuenses do Instituto Maternal, na década de 50, a morbilidade nas crianças alimentadas ao seio era cerca de cinco ou seis vezes menor. Penso, pois, que enquanto não atingirmos nível económico-social elevado, capaz de proporcionar a todos ou, pelo menos, à grande maioria dos lactentes, uma alimentação higiénica e nutritivamente capaz, o aleitamento materno é indispensável para que se não agravem ainda mais as pesadas taxas de mortalidade infantil que nos afectam.

Esta, uma face da medalha. Mas há outra: a do valor terapêutico do leite de mulher nos prematuros, insubstituível segundo a maioria, mas não a totalidade, dos especialistas. Este valor terapêutico não pode ser ignorado nem subestimado, e o problema está em conciliar os interesses inalienáveis dos próprios filhos com os interesses nobilíssimos dos filhos dos outros. Tal conciliação é possível se houver garantia médica expressa de que da colheita do leite materno não advirão prejuízos previsíveis para o filho ou filhos a amamentar. De resto, a dádiva de leite não é incompatível com a amamentação, pois pode ser apenas colhido o excesso de leite que sobra das mamadas e que, numa sã doutrina social, pertence aos que dele carecem, pois, nas situações de carências vitais, ninguém tem direito ao que não utiliza. Creio que, deste modo, se preveniriam aqueles gravíssimos inconvenientes que na sua declaração de vencido no sentido de ser retirado do parecer da Câmara Corporativa o problema da liofilização do leite de mulher, muito justamente apontou o Sr. Procurador Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.

O reconhecido valor terapêutico do leite liofilizado de mulher nos prematuros não significa que compartilhe da sugestão optimista, expressa no preâmbulo da proposta de lei, de que «a existência de reservas de leite materno [...] poderá concorrer para atenuar os actuais índices de mortalidade infantil». Na realidade, como muito justamente refere o parecer da Câmara Corporativa, «as causas da mortalidade infantil entre nós estão longe de se filiarem na falta de leite de mulher, liofilizado ou não. Antes assim fosse., pois o remédio era mais expedito e barato do que o combate às verdadeiras causas, que são de ordem sócio-económica, cultural e médica». De resto, e no que se refere especificamente aos prematuros, muito mais importante do que assegurar-lhes a administração de leite de mulher liofilizado é a criação e funcionamento adequado em material e pessoal