O teleférico seria a cúpula, o empreendimento final desse desenvolvimento, e nunca o seu "elemento primário".

Antes do teleférico, a serra precisa de acessos. A serra não. pode ser monopólio de une em detrimento de outros. A grande maioria dos turistas que se dirigem à Estrela penetrarão nela pelo distrito da Guarda. A manutenção da estrada entre Seia e Torre, aberta à circulação automóvel durante todo o ano, é fundamental para a vida de visitantes do Norte, do Centro e de Lisboa. A construção da estirada, há tanto tempo solicitada, entre Trinta-Videmonte e Folgosinho é essencial para a entrada dos visitantes estrangeiros. Além disso, há itinerários de grande beleza que não se podem desfrutar, como o de Manteigas-Nave de Santo António, por enquanto em péssimo estado, ou o de Senhora do Desterro-Lagoa Comprida, prejudicado pela portagem cobrada pela Hidroeléctrica da Serra da Estrela.

O distrito da Guarda não pode ser uma vez mais ignorado neste esforço, que tem de ser de conjunto, de desenvolvimento turístico da Estrela. O distrito da Guarda também é serra e reivindica o direito de participar e beneficiar da actividade que vier a ser exercida pela empresa de economia mista cuja criação é proposta pelo Governo.

Antes do teleférico, a serra precisa de infra-estruturas. Amigo meu, que é das pessoas que, não vivendo na serra, aí passa mais tempo, escreveu-me há tempos o seguinte:

Durante o Verão passam ali dois a três meses, alternadamente, cerca de quarenta famílias, num total de duzentas pessoas, mais ou menos. Não há uma mercearia, um café, um centro de reunião, uma bomba de gasolina. A piscina não tem um serviço adequado. A recolha do lixo é feita, quando é possível, pelo empregado do turismo com um carro de mão. Não sei se o abastecimento de águas foi regularizado este ano, mas, no ano de 1968, um amigo meu alugou uma casa em Agosto e no dia 25 veio com a família para Lisboa, porque a água já não chegava às torneiras [...] Infra-estruturas deste género constituem, a meu ver, após a estrada, que é boa e cuidada, o primeiro passo numa programação turística qualquer. Também não sei como está a coisa quanto a transportes colectivos, mas, para já, o carteiro faz aqueles 9 km a pé e, quando tem sorte, à "boleia". No Inverno, a água não chega aos depósitos das casas, por gelar nos canos, que se encontram à superfície.

Antes do teleférico, a ser que a gestão dos subsidias a conceder seja feita de modo eficiente. Nesse sentido, será de toda a vantagem o encurtamento do prazo de criação da empresa de economia mista prevista ma proposta governamental, não só porque, em princípio, a sua gestão será mais profícua, mas também porque, decerto, os seus administradores estariam mais interessados em orientar desde já todo o desenvolvimento turístico da serra, em vez de receber daqui a um ano, se não for mais, a incómoda herança da Comissão Regional de Turismo.

Sr. Presidente: As minhas conclusões são simples:

Aplauso às intenções do Governo de desenvolver a região de turismo da serra da Estrela;

Restrições quanto ao assentamento desse desenvolvimento muna teleférico que é, pelo menos, inoportuno, embora aceitando que, na situação a que se chegou, será preferível concluir-se a abandoná-lo;

Inquietação pelos problemas de segurança dos passageiros que a entrada em funcionamento do teleférico poderá levantar;

Insistência na necessidade de fazer beneficiar do desenvolvimento turístico da serra todos os concelhos por ela abrangidos, e não apenas uns ou alguns;

Preocupação quanto à eficiente gestão dos subsídios a conceder.

Esta triste e longa história do turismo da serra da Estrela e do seu símbolo máximo, o teleférico, constitui, em minha opinião, um excelente tema para meditação. Desde a falta de coordenação entre órgãos locais e centrais até às sucessivas mudanças de orientação governamental, passando pela incapacidade de planear e executar, pela ânsia d e começar pelo fim, e não pelo princípio, pelo quase total desprezo relativamente a estudos de mercado turístico ou de rentabilidade dos empreendimentos, pelas repetidas intervenções da Censura, impedindo que a imprensa denunciasse as anomalias da situação que se foi criando, pela progressiva e justificada desconfiança do investidor privado, pela enervante morosidade na tomada de decisões definitivas - há de tudo um pouco, em matéria de exemplos, de como não se devem fazer as coisas.

Oxalá esses exemplos sirvam ao menos para que, desta vez, não haja repetições de erros. Queira Deus que a serra da Estrela comece, enfim, a ser frequentada por portugueses e estrangeiros.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Fausto Montenegro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando me foi distribuída a proposta de lei n.º 2, bastou que lesse o seu enunciado para sentir uma íntima satisfação.

De há muito que ouvia falar da região de turismo da serra da Estrela como exemplo de um "fracasso" de associação, invocado por determinados responsáveis que, imobilizados, não punham ao dispor da região os meios necessários para atingir os benéficos fins para que foi criada e da qual se esperava êxito retumbante.

O mau resultado estava, não no fim, mas nos meios; o desastre esteve sempre na rivalidade de interesses particulares e no absoluto abandono a que a votaram os podereis que tinham obrigação de olhar para a serra como olharam para outras regiões consideradas de privilégio.

E porque nunca podia crer na falência da associação, que em todos os sectores está a dar resultados surpreendentes, e porque ali o espírito cooperativo tinha o(r) seus alicerces, não podia deixar de também produzir efeitos proveitosos para o turismo local, o mesmo é dizer nacional.