estejam ao serviço do homem, por tudo o que ele vale em dimensão humana e espiritual.

Ressalta ainda deste apelo lançado pela U. N.º E. S. C. O. e rectificado pela Assembleia Geral das Nações Unidas uma tomada de consciência para os povos ricos em favor de uma autêntica cooperação internacional, no sentido de serem facultados aos povos mais carecidos os meios de acesso à cultura e a uma educação humanizante.

É evidente que no conceito de educação está contido o ensino, nos seus diversos granis, mas não se reduz a este apenas. A educação não se confina a determinadas idades e muito menos a certas elites. Tem de estender-se a todas as populações e ao longo da vida do indivíduo. Tem de destinar-se à promoção dos autênticos valores humanos, por forma a facultar ao homem moderno as condições mínimas para o desenvolvimento equilibrado da totalidade da sua pessoa.

Como refere D. Hélder da Câmara, falando das suas populações do Nordeste Brasileiro:

Cabe-nos, a missão de ajudar as populações com vista ao "desenvolvimento", a fim de evitar que este caia do alto, isto é, que não venha tudo preparado pela tecnocracia; é preciso dar a essas populações "a base" para uma realização verdadeiramente humana e cristã. O facto de despertar as pessoas e de consciencializá-as é mais importante que a sua alfabetização [...]. E isto far-se-á connosco ou contra nós.

Nesta mesma orientação, para responder ao convite dirigido ao Papa pelo director-geral da U. N. E. S. C. O., pedindo uma colaboração concreta e o apoio da Igreja na campanha mundial para a alfabetização, para o corrente ano, criou-se no Brasil o Comité de Promoção Humana, com muitas outras finalidades além desta, mais relacionadas com o conceito de "educação da base", como, por exemplo, as actividades nos domínios da saúde física e mental, da alimentação, da vida familiar, da participação cívica, da produtividade económica, dos tempos livres e dos valores culturais, artísticos, espirituais e religiosos.

E o caso português?

Sr. Presidente: É também no desejo da tomada de consciência da Nação e dos seus órgãos mais responsáveis que trago aqui esta preocupação. O ano de 1970 deveria trazer para o caso português uma linha decisiva em orientações e realizações concretas no domínio da educação. Esta, aliás, está na primeira linha das preocupações do Sr. Presidente do Conselho, mas é preciso que esteja também na de todos os responsáveis, qualquer que seja o nível em que se encontrem. E, aqui, apelo fundamentalmente para a família e para os professores. A primeira, que não se demita da sua função principal - a de educadora. Que saiba salvaguardar os valores positivos de que ainda pode ser detentora a nossa sociedade, sem se fechar à mutação das condições sociais, ao progresso, ao diálogo com a juventude. Os professores que não se limitem a ser "funcionários do ensino", mas os grandes cooperadores na formação da personalidade e no desenvolvimento integra dos seus alunos.

Os temas principais evocados para este ano internacional da educação têm real cabimento no caso português. Não nos podemos iludir pensando mesmo que tudo está resolvido no campo da alfabetização, pelo estabelecimento da obrigatoriedade do ensino elementar e pela criação dos cursos de adultos.

As estatísticas dão-nos os números. Nas causas da emigração clandestina não está também este factor? E não tem sido a falta de cultura dos nossos trabalhadores emigrantes que tem colocado Portugal por vezes até numa posição frontal de ataque? Por outro lado, não são as facilidades da educação e do ensino dadas aos filhos dos emigrantes que mais têm provocado a fixação das famílias em terras de França, por exemplo?

Nesta nossa cidade de Lisboa, alguns estudos têm sido feitos por trabalhadoras sociais com a colaboração acidental e voluntária de professores primários. Apesar de se tratar da capital, as zonas de aculturação dos hab itantes é ainda confrangedora. Por exemplo, num dos bairros municipais, com 1100 famílias, em 1968-1969 eram ainda analfabetos 27 por cento dos pais e 57 por cento das mães. (Neste bairro está, todavia, a trabalhar-se numa linha de promoção social desde 1962.) Pode concluir-se do baixo nível cultural das famílias com as consequentes repercussões na educação dos filhos. E, face a esta situação, temos de reconhecer que a escola primária não está em condições de suprir estas lacunas. Muitas são as que funcionam em regime triplo ou com dois turnos diários. Isto em zonas urbanas, onde, normalmente, mãe e pai trabalham fora de- casa todo o dia. Nesse mesmo bairro, entre 514 crianças que frequentavam as escolas primárias, apenas 54 por cento tiveram aproveitamento escolar. Estamos, pois, perante uma situação assustadora do número de repetências, quer por causas endógenas, quer exógenas. As condições de melhoria da qualidade do ensino, como as carências de classes especiais, têm de ser supridas, se quisermos prosseguir a sério no campo da educação.

Mas também, para os adultos, a alfabetização não pode ser apenas preparar para o exame. Há que proporcionar-lhes todos os meios de promoção humana e social. Queria fazer um apelo especial, para se lançar uma verdadeira campanha em ordem à educação permanente, no sentido de serem colocados meios à disposição dos homens, qualquer que seja a sua idade, sexo, situação social e profissional, de se formaram e informarem com vista a atingirem o pleno desenvolvimento das suas faculdades, ao mesmo tempo que se faculta a sua participação eficaz no progresso da sociedade portuguesa.

Algumas realizações, ainda que tímidas, têm sido feitas entre nós, sendo, porém, necessário que governantes e governados sintam que têm de lançar-se novas estruturas e criar novas mentalidades porque as necessidades e as exigências também suo diferentes.

Vozes: - Muito bem!

A oradora foi cumprimentada.