o futuro da Nação, pela perda de muitos e preciosos valores, penda que dia a dia irremediavelmente se vai acentuando.

 Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, retomando as causas deste grave problema, vamos encontrar, além das de ordem física e mental, as de ordem moral e social, a que mais detidamente mo referirei.

Ao lado da criança física e mentalmente diminuída, há também a diminuída e inadaptada .social e escolar, proveniente, geralmente, das camadas economicamente mais deprimidos.

Na sua mais damática expressão, esta criança, habitante, na generalidade, dos bairros e barracas que circundam os grandes aglomerados, constitui um quadro que a todos nós é, infelizmente, muito familiar.

Quem não conhece a criança magra, pouco limpa, de grandes olheiras e cabelos ásperos, metida não raro em roupas de adulto, mal calçada ou mesmo descalça, enxameando em centos lugares considerados estratégicos para a mendicidade aberta ou disfarçada, junto das esplanadas, das pastelarias, dos cinemas a um pouco por toda a parte, olhando-nos sempre de olhar suplicante e mão estendida?

Isto não é pretensão literária, nem demagogia, é uma realidade evidente e clamorosa que diariamente nos entra pelos olhos, quando os não desviamos incomodados e envergonhados por esta dolorosa manifestação de subdesenvolvimento, que constitui em toda Europa, pelo menos . na Europa que eu conheço, um triste exclusivo da nossa terra.

Por quanto tempo ainda a nossa consciência, a consciência da Nação, vai consentir ma sua existência? E isto num país que se diz cristão e dez anos depois de a sensibilidade do mundo civilizado ter sido alertada pela Declaração Mundial dos Direitos da Criança.

Estas crianças estão muitas vezes praticamente já desenquadradas do sistema escolar, mas, ainda que estejam matriculadas e frequentem regularmente as aulas, será isso suficiente?

Terão todas o nível mental necessário para tirar proveito do ensino que lhes é ministrado?

Estarão suficientemente alimentadas para suportar o esforço intelectual que lhes é exigido?

As poucas horas que passam na escola serão suficientes para compensar os efeitos da triste escola da rua, onde vivem o resto do tempo?

Qual será o seu meio familiar e que influência terá ele nas suas vidas?

Que pesadas hereditariedades e que carências de origens várias terão marcado para sempre, no corpo e na alma, estas frágeis personalidades em formação?

Qual a percentagem destas crianças que se inserirá de futuro na sociedade, de maneira válida e útil?

E os restantes - quantos inadaptados sociais crónicos, quantos diminuídos permanentes, quantos delinquentes futuros, destinados a aumentar os pesos mortos da nossa sociedade?

Poderemos nós, poderá o País dar-se ao luxo de deixar abandonada na beira do caminho uma tão grande parte do seu capital humano, tantas potencialidades necessárias ao nosso desenvolvimento? E de suportar o pesado encargo da sua recuperação futura?

Talvez seja oneroso prevenir, mas quanto custará em capital e danos materiais e morais o tentar depois remediar?

Se o caso que acabo de expor é o mais evidente e acutilante, outros existem de problemáticas diferentes, mas não menos graves. Nem sempre as causas sociais do absentismo e do baixo rendimento escolar são de ordem puramente económica, se bem que a pobreza e a ignorância sejam as mais correntes.

A par destas, figuram outras, reflexos de todos os desajustamentos inerentes ao ser humano e à complexidade da nossa época, desde a ausência dos pais que trabalham o dia inteiro à irresponsabilidade e indiferença dos mesmos, por ignorância ou desleixo; desde a irregularidade da família à separação da mesma, à orfandade, ao desconforto da casa, mau ambiente, alcoolismo, maus tratos, falta de compreensão ou carinho, que tantas vezes se procura substituir pela camaradagem, originando assim a formação de pequenos bandos, caldo de cultura propício a tantos vícios e subsequente delinquência.

Causas que mergulham em desequilíbrios vários, o que é necessário diagnosticar e sanear por uma acção social e educativa adequada, promovendo o necessário ajustamento entre a escola, a criança e a família e ajudando esta nos seus problemas, pois só em casos extremos as crianças devem ser subtraídas ao seu meio familiar.

E não é pela acção da Polícia ou da Guarda Republicana, aplicando multas à família da criança que falta à escola, que este assunto se resolve!

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Tem de ser por meio de um serviço social escolar de extensão educativa ao meio familiar, apoiado, devidamente, pelos meios e estruturas necessários à sua eficácia.

Será assim que terá de se fazer cumprir, na íntegra, a lei da escolaridade obrigatória, garantindo a cada português, na realidade, e não apenas na letra da lei, esse mínimo de preparação para enfrentar o complexo mundo em que vivemos e ao País o contributo de todos- para a batalha do progresso em que todos estamos empenhados.

O Sr. Silva Mendes: - Muito bem!

A Oradora: - E neste contexto daqui lanço aos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Corporações e Assistência três apelos e uma sugestão:

1.º Que seja promovido no primeiro ano de frequência do ensino primário e por meio de equipas móveis de técnicos adequados o rastreio médico-psico-pedagógico de toda a população escolar e respectiva classificação em ordem ao ensino a receber;

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

A Oradora:

2.º Que se incremente e estimule a especialização de professores para o ensino das crianças diminuídas e se assegure a cobertura do País, acompanhando a rede escolar, de escolas para o ensino especializado das que forem consideradas facilmente recuperáveis. E que, paralelamente, se cuide da criação de instituições adequadas e em número suficiente para recuperação dos diminuídos em graus mais elevados, muitos dos quais são susceptíveis de, a par de uma instrução primária mais lentamente adquirida, aprenderem uma profissão simples que os integre validamente na sociedade;

Vozes: - Muito bem!