milagre dos homens que, por seu mérito e virtude, conseguiram vencer a lei da morte para permanecerem na obra do seu labor, no mandato do seu exemplo, na admiração e reconhecimento dos seus concidadãos.

Mário de Figueiredo está presente e sabe que nós o estamos também. Constantes e fiéis, o nosso encontro será permanente no ideal, a nossa comunhão será perfeita na fé!

Sr. Presidente: Cabe a Figueiró, lugar da freguesia de S. Cipriano, de Viseu, a honra de ter. visto nascer, a 19 de Abril de 1890, Mário de Figueiredo.

A terra e o lar exerceram, naturalmente, no seu espírito uma grande influência, que se manteve, ao longo da vida, nos traços dominantes do seu carácter e na sua maneira d& ser e de reagir. Logo aos primeiros contactos, o observador mais desprevenido reconhecia nele o homem da Beira. Era um beirão autêntico, na grandeza e virilidade das atitudes, na desafectação serrana do porte, no encarar frontal e por vezes desabrido das situações e problemas, no modo de falar e na pronúncia cerrada das palavras, que, orgulhosamente, conservou pelos tempos fora, com a entoação característica; sibilante, das gentes do termo de Viseu.

Até a figura, os gestos e os gostos inculcavam a sua origem e os lugares da sua infância e adolescência, recortados pelas silhuetas imponentes do Caramulo e da Estrela.

O lar paterno, lar arreigadamente crente e português, abriu-lhe a alma para as grandes perspectivas e opções. Educado na escola do dever, no respeito pelos valores morais, no culto da verdade e da justiça, Mário de Figueiredo nunca deixou de ter presentes os cristãos princípios que bebeu com o leite materno e sempre os proclamou como fonte insubstituível da vida pessoal e social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Seminário de Viseu, que cursou durante alguns anos, havia de radicar-lhe ainda mais a sua formação de católico e de português. Sim, porque nesses tempos não era possível que estabelecimentos de carácter religioso se desviassem da linha da obediência à hierarquia, fizessem perigar a unidade da Igreja, discutissem a autoridade do Papa, pusessem em dúvida a validade da doutrina ou negassem a Pátria e a missão universalista de Portugal.-

É neste período que nele desperta uma irresistível vocação para o magistério, que encontrou auspicioso começo no exercício da função docente no Colégio da Via Sacra, em Viseu.

Mas Coimbra seria o seu destino. Coimbra esperava-o. Em 1912, completado o curso liceal, matriculou-se na Faculdade de Direito, onde os seus dotes de inteligência e de trabalho logo se impuseram de tal maneira que, pouco tempo depois da sua licenciatura em Ciências Económicas e Políticas e em Ciências Jurídicas, era contratado, em 1920, como. professor de Direito Internacional. Privado. Três anos depois tomava posse do lugar ide assistente de Ciências Jurídicas, e em 1924, prestadas as necessárias provas públicas, era nomeado professor ordinário daquela Faculdade, que dirigiu durante dez anos.

E neste último período que o Doutor Mário entra na minha vida de modo decisivo como meu professor de Direito Comercial, de Direito Internacional Público e de Direito Internacional Privado e como arguente da minha tese de licenciatura. Ele e os Próis. Paulo Moreia, Cabral de Moncada, José Carlos Moreira, Vaz Serra, Teixeira Ribeiro, Manuel de Andrade, Pires de Lima, Beleza dos Santos, José Alberto dos Reis e Pacheco de Amorim. Porque a todos muito devo, não me perdoaria a mim mesmo e nesta evocação os não exaltasse como sábios cultores do Direito e mestres insignes, cujas lições e cujo labor intelectual e pedagógico assinalam uma das épocas mais florescentes da Universidade de Coimbra. Mas ninguém estranhará se afirmar que é ao Doutor Mário que eu mais fiquei a dever. Honro-me de o ter tido como mestre - já o disse aqui. E repito também que, como nenhum outro, exerceu influência vincada no meu espírito e até no rumo da minha vida.

Sabia ensinar. Sabia estimular. Sabia orientar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não era um mero expositor ou simples transmissor de conhecimentos. Mais do que ensinar Direito, ensinava a aprender Direito. Não lhe interessava que os discípulos sobrecarregassem a memória com disposições legais ou teorias jurídicas, que não eram finalidades em si, mas instrumentos didácticos através dos quais alcançariam a compreensão dos princípios do Direito e das normas e se exercitariam na difícil arte de bem raciocinar e de concluir com precisão e objectividade.

Nunca foi um casuísta. Olhava de cima os problemas e para eles encontrava as soluções mais apropriadas, decorrentes da essência da ordem jurídica, numa visão penetrante e global, que pretendia fosse também a dos seus alunos, preparados, desta forma, para enfrentarem as futuras exigências da actividade profissional e da vida.

Ensinava, na verdade, a descobrir nas regras do Direito e nos fenómenos sociais não os aspectos circunstanciais, acessórios ou efémeros, mas a sua razão de ser ou as suas causas profundas.

Descia ou subia - como se queira - ao cerne dos conceitos, das construções doutrinais, dos sistemas jurídicos, dos regimes políticos.

Nada do que dizia era supérfluo ou secundário. Cultivava o poder de síntese. Reduzia a fórmulas concisas e lapidares os conhecimentos ou as noções mais complexas, e, quando o não conseguia, logo punha em dúvida que dominasse a matéria ou que tivesse encontrado para os problemas a melhor solução.

Era, em Direito, um substantivista, embora tivesse na devida conta os processualistas. A sua formação escolástica ressaltava nas lições, nos diálogos e também nos interrogatórios, através dos quais sabia medir, como poucos, a ciência e as faculdades de inteligência dos discípulos, que, por isso, o admiravam e temiam.