do grande tribuno que também foi. Como Deputado e como leader - já o disse aqui em 1961 -, foi, sem dúvida, a figura parlamentar mais saliente da Assembleia Nacional saída da Constituição de 1933.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não houve problema debatido nesta Comum em que não houvesse tomado posição, ou no plenário ou em várias comissões da Assembleia, e principalmente na Comissão de Legislação e Redacção, de que foi presidente.

As suas intervenções evidenciam, além do conhecimento perfeito das matérias, uma solidez de pensamento, um rigor de raciocínio, um poder dialéctico, uma objectividade e vivacidade, que a todos causava espanto.

E quantos, e com que frequência, não o procurávamos em busca de esclarecimentos ou mesmo de uma orientação?

Mais, porém, do que os dotes do tribuno, merecem admiração a seriedade e a verdade, com que sempre se desempenhou do seu mandato, que jamais atraiçoou nas grandes ou pequenas coisas da vida parlamentar ou fora dela, e bem assim o interesse, a lealdade, a coragem com que, em todas as emergências, soube, na ingratíssima missão de leader, ser intérprete fiel e cauteloso do pensamento oficial, ao mesmo tempo que afectivo e franco para com os seus pares.

Se uma ou outra vez, arrastado pela força implacável da sua lógica ou pela necessidade de marcar posição inequívoca ou de impedir votações que reputava inconvenientes em assuntos de interesse nacional, usava de severidade ou deixava embaraçados os seus interlocutores, logo no seu rosto transparecia um nítido sentimento de tristeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eleito, em 1961, Presidente da Assembleia Nacional, exerceu a sua alta magistratura com tanta dignidade e aprumo que em todos suscitou os mais vivos sentimentos de apreço e afecto. O seu escrupuloso respeite pelas prerrogativas dos Deputados, na sua missão representativa, legislativa, crítica é fiscalizadora, impunha-o à veneração geral. Forte foi, por tudo isto, o abalo que experimentámos com a doença que o afastou, no princípio deste ano, do nosso convívio.

Pensámos, então, nos imperscrutáveis desígnios da Providenciai, que, dir-se-ia, não quisera, ao bater com o sofrimento à porta do Doutor Mário, afastá-lo, também nesse transe, do Presidente Salazar, já prostrado pela doença, na Cruz Vermelha. Que camaradagem e paralelismo de vidas: ambos oriundos da Beira, ambos alunos do Seminário de Viseu, ambos professores no Colégio do Padre Barreiros, ambos estudantes e, depois, mestres de Direito, em Coimbra, e mais tarde ainda, em Lisboa, companheiros das lides da política e da administração pública, sempre fiéis aos mesmos princípios ... a «andar pelos mesmos sítios, a percorrer os mesmos caminhos»!

Este aspecto faz sobressair outros traços admiráveis do carácter de Mário de Figueiredo: a constância nos sentimentos? de amizade, o respeito pela hierarquia a indefectibilidade nos princípios.

Embora, por vezes, entrecortadas pelo choque de feitios diferentes - um sereno e frio, outro vivo e temperamental -, as relações do Doutor Mário e do Doutor Salazar foram, apesar disso, sempre caracterizadas por uma inexcedível fidelidade do primeiro ao chefe legítimo, incontestado e incontestável, sem prejuízo da independência dos juízos que nunca fugia a emitir no lugar próprio e na forma mais adequada.

Já em 1942, em discurso proferido perante os delegados provinciais da Mocidade Portuguesa, o Ministro Mário de Figueiredo, depois de saudar o Doutor Marcelo Caetano, então, comissário nacional daquela patriótica organização, «pelo esforço visível e trabalho persistente no sentido de fixar a orientação doutrinal de que devem estar impregnados, os dirigentes», advertia a juventude com estas palavras de antologia:

Que ninguém se importe do obedecer, porque obedecer não é perder a independência. Obedecer, com dignidade, é até colaborar com a independência própria.

Um ano antes, em discurso no Porto, por ocasião das comemorações do 28 de Maio, dizia, naquele seu estilo tão peculiar, que «definir as regras de acção política não pode pertencer a cada um». E acrescentava:

Seria ai desordem se pertencesse. Há-de caber a alguém fazê-lo em ultima instância. Isto não exclui a discussão nem a independência. Uma e outra são muito úteis até à decisão. Mas quando chega a decisão e se entra- no período da acção, só há que executar, como se se estivesse na posse da certeza. O contrário é causa de perturbação. Isto é assim em geral, e- é particularmente assim nos graves momentos históricos. Isto é assim sejam quais forem os governantes.. Porém, quando muitos anos de devotamento e de êxitos para a Nação criaram jus a um grande crédito de confiança, já não é só por ser melhor que deve obedecer-se, é com a fé sem reticências de que a decisão não podia ser outra.

Católico, nunca na sua alma esmoreceu a fé.

Português de lei, não se cansou de proclamar a unidade territorial e moral da Nação e a sua vocação civilizadora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Político, por espírito de servir - «recebi uma formação tomista e comecei a ler, tinha 16 anos, es mestres da contra-revolução», confessava ele noutro seu discurso em 1941 -, entendia que «os valores que se erguem perante nós, como imperativos de acção, são eternos, intemporais ... e são eles que impõem o sentido ante os acontecimentos ... estes temporais e vários».

Conduzido, pela inteligência e pela experiência dos factos, a uma solução de regime político apartidário, a sua conduta de. pensador e de estadista alicerçou-se nesse fundo doutrinal e pragmático. São dele estas palavras, em que se refere a Salazar:

Surpreendidas no passado as grandes linhas que marcam a vocação do nosso povo ..., teve de lutar contrai os políticos da velha escola ..., para dar ao País .... que andava perdido à procura de rumo o sentido da unidade que obriga a não consentir nas manifestações internas da divisão.

Avesso às soluções puramente individualistas e às doutrinas totalitárias e defensor das liberdades das pessoas e de um regime económico-social de raiz e estrutura corporativas pôde sistematizar e expor os seus princípios e concorrer para a sua aplicação prática entre nós. Neste particular, a sua douta conferência «Princípios Essenciais do Estado Novo Corporativo» logo se impôs, no espírito de muitos e no meu, como padrão de bem pensar.