Mestre por vocação, o próprio magistério teve de sacrificar ao apelo do quem - confidenciou um dia ao Doutor Afonso Queiró - lhe dera o exemplo do sacrifício total de uma vida ao bem público e interpretava, nesse momento, a seus olhos, as supremas exigências do interesse nacional.

Jurista consumado, dominava e relacionava os princípios do direito com um à-vontade que não fluía apenas da sua cultura e saber, mas também dai sua cintilante inteligência e da sua agudíssima intuição nata para a exegese dos textos e já na função de legislador, paira a formulação, em termos precisos de ática clareza, dos preceitos legais ou regulamentares.

Pensador e doutrinador profundo, sabia, definidos os conceitos, apresentá-los numa prosa tersa e condensada que fazia dele um escritor original e despretensioso. É ler os seus discursos e conferências, as suas intervenções tribunícias os seus pareceres e estudos, grande parte dos quais sobre ternas de educação, as suas lições de mestre, os seus trabalhos jurídicos e. em especial, os publicados, sem qualquer alusão ao autor, na Revista da Legislação e Jurisprudência, e no Boletim da Faculdade Direito de Coimbra, É ler os seus livros Contrato de Conta Corrente. Caracteres Gerais dos Títulos de Crédito e Sen Fundamento Jurídico, A Concordata e o Casamento e outros, nomeadamente sobre direito comercial e direito internacional público e privado. E ler todos esses vastos e valiosos escritos, e poderá então concluir-se que Mário de Figueiredo foi também um prosador de largos recursos, com estilo de sabor clássico.

Quando falava, transmitia com facilidade aos que o escutavam os seus sentimentos e ideias, e a sua lógica, servida ainda pela força da sinceridade, adquiria um raro poder do. convicção. Conversador emérito, encantava ouvi-lo, tal a graça que emanava das palavras, e também dos gestos (pie, por vezes, na expressividade dúctil e movimentada das mãos, do rosto e dos olhos, acompanhavam, completavam o prolongavam ais palavras, quando não diziam mais do que elas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acresce, que Mário de Figueiredo foi um homem independente e cheio de personalidade. Se se insurgia contra os abusos e as prepotências dos homens ou das autoridades, também detestava toda II qualquer manifestação de demagogia. Não sei se era uma figura popular, mas sei que amava o povo e, por isso mesmo, era incapaz de contribuir para lhe criar falsas miragens ou esperanças falazes.

Não prometia, não aliciava, não enganava. Não cultivava o aplauso fácil. Acautelava-se da lisonja, que sempre repelia.

Sabia amar, mas não sabia odiar. Extremamente sensível, era um homem em cujo espírito a gratidão e a capacidade de admirar ocupavam lugar cimeiro.

Não era reservado, nem vingativo. Havia mágoas fundas e legítimas no seu coração, que não ressentimentos ou recalcamentos, e muito monos malquerenças ou invejas. Simples, bom e sensato, a sua alma não tinha refolhos, nem maldade, e tudo nele era ponderação e equilíbrio.

Um homem desta envergadura, e com a formação cristã que era a sua maior riqueza; tinha de ser estruturalmente sério, no pensamento e na acção e na vida pública e privada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se me fora dado eleger entre todas as qualidades a mais marcante de Mário de Figueiredo, diria que era precisamente a sua inteireza de carácter, a sua honestidade inconcussa, o seu desapego dos bens materiais e das honrarias do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Solicitado, instante e reiteradamente, para ocupar lugares rendosíssimos, que, aliás, poderia aceitar, sem o mais leve desdouro, levou o seu escrúpulo a declinar todos os convites, alguns dos quais formulados por pessoas que o admiravam e se preocupavam com u sua precária situação económica.. Manteve sempre esta sua atitude de II fio ingressar em nenhuma organização que não fosse de carácter público ou ligada ao Estado. Daí que apenas houvesse anuído a assumir a presidência do conselho de administração, da Companhia Portuguesa dos Caminhes de Ferro, onde realizou obra notável, e mesmo assim porque o Governo insistiu nesse sentido, apontando-lhe o dever de tomar conta desse cargo tão espinhoso e então, em momento grave para a vida da empresa, bem mal remunerado.

Quero transcrever as palavras recentes do Diário de Noticias que, pela sua justiça e verdade, devem ter confundido aquele, muitos ou poucos, que. falhos de carácter e de vergonha ou com uma ligeireza de espírito imperdoável, se entretiveram ou entretém a desfazer reputações, a deregrir pessoas impolutas, a lançar a lama da sua malevolência ou a poeira da sua malevolência sobre vidas cristalinas e puras, como sempre foi a do homem que estou a evocar. Eis essas palavras:

Um tão grande saber das coisas jurídicas, um tão notável talento posto à disposição de empreendimentos particulares, pediam ter-lhe granjeado sólida fortuna. Apaixonadamente, desde a juventude, sempre preferiu esbanjar os dotes que recebera e cultivara servindo a Nação. Para si amealhou apenas o direito ao nosso reconhecimento e à nossa admiração.

Mário de Figueiredo viveu laboriosamente, devotadamente, e morreu pobre.

Assim foi, de facto. Como ninguém, estou em condições de o testemunhar, e por isso mesmo me cabe o dever e a honra de o dizer publicamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Doutor Manuel Rodrigues afirmou:

Mário de Figueiredo é o homem mais inteligente que jamais conheci.

Pois eu posso e devo acrescentar que Mário de Figueiredo foi dos homens mais isentos e honestos que algum dia que foi dado conhecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta homenagem ficaria, com; efeito, incompleta se não desse- o devido relevo a mais esta virtude de quem político e estadista integérrimo e homem de bem em tudo, sempre pairou, soberanamente, acima de quaisquer suspeições.

O egrégio orador que foi o Cónego Correia Pinto advertia que, em elogios desta índole, «ainda não pode falar a posteridade que traça, frente aos séculos, o perfil dos grandes homens».