O momento, é de grave apreensão [...]. E todos ouvimos, [respeitosos pela sua preocupação (pela preocupação de experimentados mareantes). Atentos. Envolvidos naquela mesma onda de ansiedade.

Assim sentiu, assim falou o jornalista.

O caso não .era para menos, o caso não foi, na realidade, de somenos, o caso deve preocupar-nos a todos nós e ao Governo, para que, quando o mar se voltar outra vez contra a terra, em dias de maresia, em dias de maré cheia, não .encontre pela frente, fazendo-lhe frente, pouco mais que a simples imprevidência dos homens ...

O Sr. Peres Claro: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.

O Sr. Peres Claro: - Comungo dos sentimentos de V. Ex.ª, mas quero observar que se têm realizado na praia da Costa da Caparica obras de defesa muito importantes, mercê das quais a Caparica já não é hoje aquele campo aberto por onde o mar entrava livremente.

Há cerca de cinquenta anos era fácil o mar entrar pela terra dentro, isolando um sem número de casas, o que hoje é raro acontecer.

O Orador: - Agradeço a informação de V. Ex.ª, não a desminto, mas não me parece que o problema esteja plenamente resolvido.

Ë qoie os remendos são remendos, os consertos não passam de consertos, a(r) muralhas apenas são "muralhas" na boa vontade dos olhos que as vêem como tais ... até que as maré" se encarreguem de retirar "pretensões de anteparo forte é útil".

O problema não é específico só da Costa, da Costa da Caparica:

Só quem viva distanciado, de uma hora a hora de apreensão, poderá rotular de "rotineira" a situação. Ninguém se habitua a passar noites em claro, velando pela segurança de uma barraca que é lar e é mundo. Ninguém se habitua à ideia de ver prolongados muitos dias de inactividade, porque o temporal não permite que se saia para pescar. Ninguém se habitua a ver surgir cada Inverno como sorte má, engravidado de presságios.

Mas é a Costa que de momento nos preocupa pelo seu passado recente, pelo seu próximo futuro. E compreende-se. Lisboa já não (poderá passar sem a Costa, agora que estoutra Costa, a do Sol, começou a alcançar os limiares da saturação humana em dias de calmaria.

A Ponte Salazar, ex-líbras desta graciosa Lisboa, aproximou-a da Outra Banda, casou-a em noivados de Primavera e Verão com os areais da Caparica. Dez minutos apenas as separam pelas "vias rápidas" dos acessos aponte, e o tempo começa a ser factor muito de ponderar na preferência. Lisboa não pode prescindir dos areais de Santo António à Fonte da Telha. Lisboa precisa dia Costa., de< todas "19 "cestas", aliás, ...

Mas se precisa delas, terá de, com carinho, olhar também por elas ...

Há dias que a bonita praia (sonho lindo de tantos veraneantes, hipótese de tantos projectos) vai sendo "comidas pelas marés.

Os carris do comboio Transpraia foram arrancados, torcidos como vergas e puxados para as ondas, feitos ferro-velho inútil, desolado e desolador. Os barracões que albergam os estabelecimentos de banho (coloridos quando o Sol de Verão os traz frequentados e úteis) rodeiam-se de uma água impetuosa que os corrói e isola1. A "muralha" esboroa-se, no embate das marés e semeia a areia (convertida em pântano) de pedras, detritos, troncos, restos. Entretanto, o mar avança, implacável, furioso, e cava uma verdadeira falésia, com um punhado de metros de altura, ali onde só praia havia - convidativa, plana, branca.

O velho Evandro, o primeiro proprietário de estabelecimento de banhos a estabelecer-se na Costa da Caparica, fez, com a sua história, a do avanço do mar:

Quando este barracão cair (o seu estabelecimento de banhos), será o terceiro que perco. Em dois anos foram-se dois [...]. De cada vez que .reconstruo tenho de fazer mais junto à Costa; há sete anos recuei 100 m, e depois recuei mais 180 m. Se se pensar que tenho sempre de manter cerca de 200 m de areia para estabelecer as tendas defronte, ai tem: em sete anos o mar avançou, para aí, 500 m!

Um velho pescador da Caparica recordou:

Fala-se que o mar tem estado já muito próximo da vila - e é verdade. Há anos que os temporais trazem as ondas para o pé das casas. Mais muita gente se esquece de dizer que todos os anos o mar avança uns metros e, quando recua, fica cada vez a menos distância da praia.

Aquela muralha de pedras que puseram para conter a água ajudou muito. Se não fosse ela, onde ia a vila! Mas é mais que insuficiente. Devia ser aumentada, no comprimento e na altura -como nós desejaríamos ver uma avenida marginal que acompanhasse toda a costa, ladeada de edifícios que não tardariam a erguer-se voltados para o mar ... -, e construir uma muralha a sul.

Um outro mareante justificou o que parece ser imperiosa necessidade:

[...] Porque é que ninguém se lembrou de ver que a corrente que vem do sul "come" sempre a terra. [...] Se construíssem uma barreira a sul, ficávamos todos protegidos. As correntes do norte e nordeste criam sempre areia e as do sul é que trazem desgraça. Mas a muralha está a norte e nada existe do outro lado.

Não parece ter assim plena justificação quantos afirmam que "muito do que se está a passar na Costa se deve a grandes e profundas escavações, feitas há tempos, no intuito de retirar areia, que foi transportada para certas zonas da Costa do Sol" e que por esta forma teria contribuído para "o enfraquecimento de barreiras naturais à forca das ondas", melhor se diria ao ímpeto das correntes.

Em calda ano se repetem medidas de emergência, traduzidas no despejar de toneladas de pedras - e em cada ano essas medidas se revelam transitórias, momentâneas e ineficazes [...]> º problema continua de pé em cada Inverno que chega.

Este ano, ao princípio de uma tarde agreste, "a enorme brecha aberta pelo mar no único anteparo de que a parte baixa da vila se pode .socorrer estava de novo desprotegida. Toneladas de esforço, horas de trabalho, um total