Passando indocumentados a fronteira com uma facilidade espantosa, estes cidadãos deixam, de surpresa e em grupos, qualquer actividade industrial, comercial ou agrícola com a simplicidade de quem vai dar uma volta.

Não lhes importa que pare a oficina, que se perca a cultura, que não sei cumpra um contrato. Além-fronteiras ninguém lhes pede contas.

Porque tal atitude nem sempre resulta de reivindicações razoáveis, em certos casos é indiferente a proposta de novos e vantajosos salários e, muitas vezes, leva consigo manifesto desprezo por compromissos assumidos, legítimo será pedir que não se consinta em tal forma de deserção das obrigações sociais.

E não se diga que o fenómeno é incontrolável. Em todos os concelhos são conhecidos e raramente responsabilizados os indivíduos designados por «passadores».

Quando se fala em medidas para obstar aquilo a que se vai chamando a calamidade arrastada pelo exagero da emigração, invoca-se a promoção social das populações rurais através de uma industrialização disseminada, dia construção de vias de acesso, do estabelecimento de redes de água e electricidade, das medidas de protecção à agricultura e ainda a correcção de salários e outras formas de prender os habitantes à sua terra.

É certo que estamos em presença de condições importantíssimas, mas se pensarmos que de tudo se vai fazendo um pouco, sem haver nada que tenha travado a impetuosidade da aventura, havemos de reconhecer que tais condições não são decisivas.

Atentemos ainda na circunstância de estarem a deslocar-se famílias inteiras. E esta agravante, já revestida de toda a legalidade, com facilidade se explica ao abrigo da liberdade dos cidadãos, mas dificilmente se aceita em face das conveniênciais pessoais e sociais que os mesmos cidadãos não sabem seleccionar.

As mulheres vão para os serviços domésticos mais humildes e as crianças vão para render em abono de família até serem integradas numa sociedade que as absorve a curto prazo.

E aqui não parece possível fugir à necessidade de uma solução imediata: há que fazer a promoção social das populações e com os meios geralmente preconizados.

Sentimos que tais meios estão a ser utilizados, mas confiemos num maior esforço do Governo para lhes acelerar o passo, à procura da parte que lhes cabe na solução desejada.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - Nesta aceleração desejamos a Previdência abertamente extensiva aos meios rurais, na consolidação das auspiciosas medidas em boa hora lançadas no ensaio dos primeiros passos.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - A época em que vivemos pede-nos pressa para esta tarefa, como épocas passadas nos pediram pressa para outras tarefas que foram realizadas.

Mas a promoção das populações só se faz eficazmente com elas presentes, até porque precisamos da sua ajuda.

A minha experiência diz-me que não é de ter muita fé na criação de condições de regresso, mas de confiar inteiramente nas condições de fixação criadas por todos os interessados.

Teremos de enfrentar medidas que não nos deixam cair no ciclo vicioso, e, para isso, compete ao Estado usar da sua autoridade, que, naturalmente, fará acompanhar da responsabilidade da sua acção.

Sem a pretensão tola de cobrir com uma solução simplista a complexidade do problema, parece que avançaríamos muito se, ao mesmo tempo que intensificamos as medidas que hão-de destruir as aliciantes da emigração legal, reprimíssemos eficazmente a emigração clandestina.

E é possível fazê-lo.

Para concluir, peço o favor da atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e da de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, para o testemunho que lhes vou dar do meu contacto directo com o aspecto mais negativo da emigração clandestina ou aparentemente legalizada.

Todos sabemos que elevado número de mancebos falta todos os anos às inspecções militares.

Aquilo que começou por ser protecção doentia de meninos mimados ou negócio de ocasião está a transformasse em escandalosa evasão. E será neste ponto que todos sentimos atingidas pela emigração as estruturas da defesa nacional.

Não será exagero contar por batalhões o número de cidadãos subtraídos às fileiras das forças armadas por deslocação extemporânea para o estrangeiro.

Aceitemos que não se trate de uma cobarde deserção, até porque são muitos os exemplos de jovens que regressam à Pátria apresentando-se, briosamente, para o cumprimento dos seus deveres militares.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - Mas há poucos dias, quando se discuta nesta Assembleia Nacional a Lei do Serviço Militar, propalou-se o boato de que seria fixado em quatro anos o tempo de permanência obrigatória nas fileiras.

Tanto bastou para se reacender a indignação motivada pelo comportamento daqueles que, passando pelos desvios fáceis dos postos fronteiriços ou beneficiando de uma tolerância injustificável, levam a sua inconsciência ou maldade à atitude chocante de minimizar a dignidade e aprumo com que os verdadeiros portugueses vivem a hora que passa e é imperioso ultrapassar com a cabeça levantada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os nossos soldados não discutem o tempo que lhes cabe nas fileiras, se é o tempo que lhes pertence, ainda que sejam anos. Mas poderão discutir com indignação o tempo que fizerem pelos que fogem, ainda que se traduzia por meses ou dias.

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Cunha Araújo: - Estou encantado e solidário com as preocupações de V. Ex.ª nesta Câmara, a nível nacional. E já agora não quero deixar de perguntar a V. Ex.ª se por acaso leu o noticiário do Diário Popular de sábado, que, justamente, nos dava conta de que um ministro francês, não me recordo de que pasta, fora indagar junto dos emigrantes portugueses das suas condições de vida, tendo chegado à conclusão, após essa indagação feita com escrupuloso cuidado, de que eram deploráveis essas condições.

Ora, a preocupação de V.a Ex.ª, exposta tão oportunamente nesta Câmara, está, felizmente, a dar aquela resposta que era preciso ser dada, de uma preocupação ao nível nacional, no sentido de uma indagação feita por nós mesmos junto desses emigrantes, para avaliar das suas condições de vida, que são precárias e acarretam um