O próprio Estado, não podendo ser alheio a quebras de espírito nacional que na vida diária por vezes ocorrem, tem perante elas uma obrigação a cumprir, porquanto, mesmo sem solicitação, compete-lhe intervir na manutenção do respeito permanente pelos princípios constitucionais. É, portanto, responsabilidade indeclinável do Governo actuar em todos os lugares e em todas as ocasiões, não só para que aquelas normas prevaleçam, como ainda para que todos ou, pelo menos, um maior número possível de cidadãos delas possam beneficiar.

O maior inimigo da igualdade é o racismo.

E o racismo aquele monstro abominável que, vestindo os mais inusitados disfarces, se alimenta de vergonhosos preconceitos e que, à calada da noite da ignorância ou de interesses inconfessáveis, se infiltra qual aragem maldita pelas frestas e por debaixo de portas trancadas da lei, subvertendo, envenenando a harmonia e o espírito dos homens, cuspindo a desconfiança e o ódio entre as gentes e dividindo o próprio Mundo.

Declarado e legalizado, ou oculto, o racismo feire a própria essência do cristianismo e, entre nós, ofende a dignidade die milhões e milhões de portugueses.

Por irreconciliável com a nossa maneira de ser, não temos a menor dúvida em afirmar que corresponde ao consenso nacional a sua total repulsa, bem como a de tudo quanto directa, indirecta ou tacitamente possa implicar a sua aprovação.

Bem-aventurado Portugal cujos fundamentos não lhe dão guarida no seu espaço e bendito o ecumenismo português que lhe contrapõe a multirracialidade intrínseca da Nação.

Consideremos, no entanto, que bastante mais de meio hemisfério do mundo português é constituído por cidadãos originários de terras africanas e bastará olharmos à nossa volta e atentarmos à composição desta própria Assembleia para encontrarmos sinais de desactualização com os princípios que professamos e sintomas de incoerências entre a doutrina e a realidade, reveladas por deficiências que, se não forem acauteladas a tempo, poderão vir a criar incomensuráveis abismos no nosso todo.

Somos, por isso, de pleno acordo com aqueles que têm vindo a reclamar uma revisão da orgânica constituinte desta Assembleia, sobretudo em medida que vise torná-la mais representativa e mais condizente com o esquema demográfico e com o substrato político das províncias do ultramar, dando a estas maior voz na gestão da Nação.

Nessa actualização deverá vir a ser considerado que, assim como será pouco viável a um cidadão que nasceu e viveu sempre no Minho debruçar-se, por exemplo, sobre problemas de Macau e interpretar cabalmente os anseios daquela parcela, também é pouco plausível podermos nós tomar conheciraemto das aspirações e das dificuldades de seis milhões de portugueses africanos de Moçambique, sem ser através de Deputados próprios, porta-vozes, daquele quadrante, que as vivem no seu íntimo e as sofrem na sua pele.

Enquanto se não descobrir uma fórmula adequada, a circunstância exposta decerto que suscita motivos para ponderação sobre o que estará insuficiente ou por ajustar no nosso mnclo de vda rm 1:0 ncsso sistema político, que não permite espelhar mais directamente nesta Assembleia Nacional a variedade de gentes e de culturas que constituem o mundo português de hoje e é apanágio da sua grandeza.

Já há anos Salazar afirmava que «a unidade da Nação na pluralidade dos seus territórios importa unidade da direcção política com a colaboração de todos».

Mais recentemente, com extraordinário senso e conhecimento, é o coronel Silvino Silvério Marques, que foi

governador-geral de Angola, a prevenir que «apelos demasiadamente europeus e ocidentais fazem correr o risco de ser esquecida a essência universal da Nação» e a advogar que «esta deverá, cada vez mais, desejar o seu Governo e os quadros superiores da sua administração constituídos pelos melhores portugueses entre africanos, europeus, miscigenizados e asiáticos».

Pala vras judiciosas de um homem prudente e de visão que bem merecem ser escutadas.

Este ideal, infelizmente, está ainda por se atingir.

Algo continuará, por conseguinte, errado, se nas grandes decisões a tomar e no estabelecimento de quaisquer novas directrizes para a nossa política não ouvirmos todos os Portugueses abertamente. E será imprudente iludirmo-nos a nós próprios, não tomando conhecimento das aspirações de segmentos consideráveis da nossa população, ou ainda, se dentro do contexto da Nação de que fazem parte integrante, simplesmente ignorarmos que têm as suas justas pretensões.

Terrorismo é também primitivismo, a pobreza, o analfabetismo, a educação inadequada e a falta de melhores oportunidades de vida para muitos, que importa combater sem tréguas, pois só uma comunidade instruída pode participar positivamente na feitura e na vida da Nação.

É preciso ter presente a máxima de que as forças da ordem, se não ganham, perdem, enquanto o terrorismo ganha, se e uma saudável crítica, em família, com coragem e honestidade temos de expor, diagnosticar e atacar o que estiver mal, através de legislação adequada e de medidas, implementando e complementando os nossos princípios constitucionais, visando sempre a actualização e melhores soluções para os problemas da grei.

De um modo especial, por se tratar de gentes menos favorecidas em número tão considerável, a enorme responsabilidade de modificações capazes de conduzir à sua elevação mais acelerada e ao seu nivelamento mais visível com as demais comunidades do nosso espaço não recai exclusivamente no Estado, mas estende-se sobre todos nós, cidadãos, e sobre todos os compartimentos de actividade nacional; ninguém pode permanecer estático perante tão grande incumbência moral, social e política.

Se é lícita a aspiração genérica de todos os povos, a de que os frutos do progresso - tanto material como espiritual - sejam tornados extensivos a um maior número de cidadãos possível, e se considerarmos que o desenvolvimento de um território não pode ser aferido senão em relação a toda a sua população, estamos perante a necessidade de acção decidida e bem orientada tendente a