O Orador: - V. Ex.ª não pode julgar que o futuro há-de ser sempre igual ao passado. A evolução da nossa sociedade é um facto e tem, portanto, de estar atento aos caminhos do futuro.

O Sr. Santos da Cunha: - Presto homenagem às qualidades de pitonisa de V. Ex.ª ...

O Orador: - Eu não sou pitonisa, mas sei estar atento à evolução dos acontecimentos.

O Sr. Santos da Cunha: - Como quer que seja, V. Ex.ª não deu resposta às questões ulteriores que lhe pus, refugiando-se com muito inteligência, habilidade e brilho na circunstância de as mesmas questões não terem, em seu entender, directa ou indirectamente, correlação com a maneira como V. Ex.ª formulou o assunto.

O Orador: - Agradeço a homenagem que V. Ex.ª presta às minhas qualidades, mas, em relação às questões ulteriores que me pôs, elas não foram abordadas por mim, pelo que não vou perder-me em divagações desnecessárias.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª afirmou ter havido, da parte das oposições, civismo e patriotismo.

O Orador: - Naturalmente.

O Sr. Santos da Cunha: - Não compreendo como é que manifestações tumultuosas de rua e a negação da integridade da Pátria se podem harmonizar com sentimentos de civismo e patriotismo.

O Sr. Presidente: - Os pontos de vista do orador e do Sr. Deputado Santos da Cunha já são agora conhecidos da Assembleia. Peço, portanto, ao orador que continue as suas considerações, uma vez que o tempo vai correndo.

Em terceiro lugar, sabe-se que as eleições foram extraordinariamente concorridas. Pêlos exames e cálculos já feitos sabe-se que a maioria das abstenções se refere a eleitores ou deslocados ou já falecidos, sendo muito restrito o número dos abstencionistas reais. Este facto demonstra que se está a generalizar entre nós o alto sentido do direito e dever de participação política. Se queremos ter uma sociedade em que todos se sintam responsáveis pela sua construção, é indispensável passar além do direito de voto e possibilitar ao povo, que atentamente nos observa, outras formas de participação.

4 - Mas qual foi, finalmente, o significado das eleições? Poderá dizer-se que as eleições de Outubro ultrapassaram em muito o que podia resultar de uma mera confrontação de partidos ou candidatos. O Presidente do Conselho tinha, oportunamente, posto ao eleitorado o seguinte dilema:

É preciso que, cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português é pelo abandono do ultramar ou se está com o Governo na sua política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das províncias ultramarinas.

É preciso que, cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português prefere um clima de ordem pública e de paz social ou a turbulência revolucionária de que não se pode esperar mais do que a violência, despotismo, confusão e, afinal, miséria e fome.

E o eleitorado menos politizado, cingido aos termos de um dilema que punha em causa o ultramar e o Presidente do Conselho, votou, em primeiro lugar, na pessoa de Marcelo Caetano, naquele homem diferente que agora chefiava o Governo e que, em simpatia e simplicidade, se dirigia ao povo, em termos que, pela primeira vez, lhe levavam a compreensão de problemas políticos; naquele homem que o povo simples, em manifestações inéditas pelo volume, pela espontaneidade, pelo entusiasmo trasbordante, já tinha consagrado como a esperança da Nação.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Santos da Cunha: - Tenho muita pena, mas desejava que V. Ex.ª me prestasse outro eclarecimento. V. Ex.ª disse que o eleitorado se deveria pronunciar sobre um dilema em que se punha em causa o ultramar e o Presidente do Conselho.

O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas não foi isso que eu disse. Não pus o dilema ultramar ou Marcelo Caetano. Servi-me de palavras do próprio Presidente do Conselho, que se pronunciou nestes termos:

É preciso que, cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português é pelo abandono do ultramar ou se está com o Governo na sua política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das províncias ultramarinas.

O Sr. Santos da Cunha: - Não é isso. Eu louvo-me nas palavras de V. Ex.ª quando disse que o eleitorado votou em primeiro lugar na pessoa de Marcelo Caetano, mas não referiu em quem votou em segundo lugar. Aparece assim uma omissão sobre o ultramar.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu não entendi que o Sr. Deputado José da Silva tenha posto o problema de qualquer opção. Talvez se trate de um mero problema de interpretação, pois não vejo que das suas palavras se possa inferir tal opção.

Por mim, entendo perfeitamente o que o orador pretendeu dizer. Só lamento que alguns Srs. Deputados queiram pôr dilema inexistente, dando às palavras do orador um sentido que não comportam.

O Sr. Pinto Machado: - Quero lembrar que a interpretação do orador está conforme com as considerações proferidas pelo próprio Presidente do Conselho numa das suas «conversas em família», salvo erro em Dezembro último. Ele reconheceu que cá dentro e lá fora o resultado eleitoral tinha sido interpretado como voto de confiança no Presidente ido Conselho.

O Sr. Santos da Cunha: -Fundamentalmente, V. Ex.ª reconhece que o eleitorado votou no Presidente do Conselho. Interessava saber se reconhece igualmente que o eleitorado se pronunciou pelo ultramar português.

O Orador: - Tudo isto é consequência da precipitação do Sr. Deputado Santos da Cunha, que, com a sua impaciência, não quis aguardar que eu prosseguisse a leitura das minhas considerações. Tudo está bem claro, como verão, nas palavras que vou dizer.

Nesta medida, pode afirmar-se que as eleições consagraram a escolha que o Chefe do Estado tinha feito para a Presidência do Conselho de Ministros.

Ficaram, assim, em segundo plano os candidatos que o público menos politizado, aliás, desconhecia. Para o sector dos eleitores mais politizados, porém, os nomes dos