Os advogados não se insurgem contra a caridade que lhes é imposta. A classe conhece perfeitamente, e disso tem dado sobejas provas, a solidariedade social que deve aos desprotegidos da fortuna e nunca se recusou a cumprir a sua obrigação, mesmo sem imposições legais.

Mas tudo tem os seus limites e as coisas devem ser coordenadas de um modo razoável, para que um dever não se transforme numa submissa coleira.

Assim, a designação do profissional do foro para o patrocínio oficioso não deve ser feita, em princípio por escala, mas, obrigatoriamente, por escala, para atenuar a ditadura dos magistrados, que, dada a amplitude dos poderes de que gozam, começa a ter ressaibos de uma verdadeira inflação do mando.

Também a concessão definitiva da assistência, mesmo no caso de incompetência relativa do tribunal, pode dar origem a clamorosas dificuldades para os advogados.

Basta atentar, por exemplo, na hipótese do processo ser remetido de Valença para Tavira. Neste caso, será justo obrigar o advogado nomeado a acompanhar o pleito?

Para obviar a esta inconveniência, a Câmara Corporativa considera a hipótese enquadrada no artigo 590.º do Estatuto Judiciário como causa, justificativa de escusa ou abandono do patrocínio.

Simplesmente, o remédio proposto não é tão fácil como parece. Em primeiro lugar, aquele preceito do Estatuto Judiciário não contempla o regime das escusas, mas das recusas, o que é diferente. Depois, pertencendo o julgamento da justificação ao juiz da causa, tem o advogado nomeado de ir deduzi-la a outra comarca, que, repito e sublinho, pode distar centenas de quilómetros.

Há, neste ponto, uma lacuna que convém colmatar, para fugir a soluções indefensáveis.

O Sr. Correia das Neves: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Correia das Neves: - Creio que este ponto poderá ser tratado no regulamento previsto na lei. Com certeza que, em hipóteses tais, o regulamento há-de permitir que o novo juiz da causa nomeie um advogado da comarca substituindo o outro.

O Orador: - Mas então não é uma concessão definitiva.

O Sr. Correia, das Neves:- Definitiva é. O que há é uma mudança de advogado.

O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas, tal como está a pôr a questão, a concessão é provisória.

O Sr. Correia das Neves: - Não é. O benefício está definitivamente concedido. O que muda, repito, é o advogado.

O Orador: - Mas como é que muda?

O Sr. Correia das Neves: - Nomeando-se outro.

O Orador: - Mas como é que o advogado vai ser substituído?

O Sr. Correia das Neves: - Será substituído, naturalmente, pelo juiz do tribunal para onde vai o processo.

O Orador: - Mas a requerimento de quem?

O Sr. Correia das Neves:- A mudança é feita oficiosamente.

O Orador: - E se o advogado quiser acompanhar a causa?

O Sr. Correia das Neves: - Se quiser, vai. Não há problema.

O Orador: - Eu queria saber onde é deduzido o incidente da justificação.

O Sr. Correia das Neves: - Como já disse, será matéria para o regulamento.

O Orador: - Eu acho que não. Desde que a lei diz que é concessão definitiva, não podemos deixar isso para o regulamento.

O Sr. Correia das Neves: - Pois é, estamos em desacordo quanto ao conceito de concessão definitiva. O benefício não é retirado, o que se dá é uma mudança de advogado em substituição do primitivamente nomeado.

O Orador: - O advogado pode pedir escusa se tiver, por exemplo, da vir de Valença a Tavira. Mas onde sequer essa escusa, visto que o artigo diz que é ao juiz da causa?

O Sr. Correia das Neves: - Creio que não adiantamos mais em continuar com o diálogo. Penso, e esta é minha posição definitiva, que no regulamento poderá dar-se remédio a essa dificuldade. Nele poderá ficar previsto que o juiz, o novo juiz da causa, ou seja, o juiz da comarca onde deve correr o processo, nomeará novo advogado, da maneira a estudar na discussão na especialidade.

O Orador: - Bem, não chegamos a acordo, porque, para se nomear um, é preciso que o outro saia. E o meu problema é saber como é que há-de sair o outro. Em que comarca é que o outro vai sair? Qual é o juiz que profere o despacho? Se é na comarca onde é concedida a assistência, está certo. Se é na comarca para onde é remetido o processo, não está certo. O problema é este. Não quero dizer que esta solução não se encontre futuramente; o que quero dizer é que neste momento não está encontrada, e para ela chamo a atenção da Câmara. E a V. Ex.ª agradeço, apesar da nossa divergência, a colaboração que me deu.

Resta dizer, para terminar, que acho inadmissível a fixação dos honorários do advogado, feita pelos juizes.

Nunca compreendi, este aspecto, aliás já existente no sistema em vigor.

Reputo um erro, quase afrontoso da classe, ver o preço do seu esforço subordinado ao arbítrio dos juizes.

Para adem de uma submissão que nada justifica, é do conhecimento geral e precisa de ser dito sem medo - que a magistratura, na valoração do trabalho da advocacia, tem um critério deformado e muito discutível, quando não adopta, por vezes, uma visão errada e ácida dos honorários dos advogados.

No caso em discussão da assistência judiciária, acontece até que no momento da sentença final, o julgador nem sequer está habilitado, sob o ponto de vista legal, a fixar conscienciosamente os honorários.

Com efeito, um dos factores que a lei obriga a atender na moldura dos honorários é o proveito económico, derivado do resultado da demanda. Ora na altura da decisão final, a repercussão do pleito na economia do assistido quase sempre escapa ao juiz, pelo que este raramente estará em posição de fixar honorários com justiça e de acordo com o artigo 584.º do Estatuto Judiciário, isto é, de acordo com a lei a que todos devemos obediência, inclusive os juizes.