E isto traz logo como imediata consequência considerável entrave ao desenvolvimento económico, motivado numa corolária e fatal retracção perante as dificuldades e as incertezas a uma eficiente drenagem da produção. E a vida de um país pluricontinental não pode estar amarrada a um sistema de transporte entregue a companhias de navegação que, movimentando-se a seu inteiro alvedrio, subvertem ao interesse geral o interesse particular, desinteressando-se, e até sobranceira e altivamente, das dificuldades que criam e dos entraves que causam ao próprio progresso da Nação.

E não é com remédios de ocasião, nem com a panaceia de promessas que tal estado de coisas se ultrapassa e os objectivos desejados se atingem.

Mas para não incomodar demasiado VY. Ex.ª, limitar-em-ei a referir quais foram as conclusões finais do colóquio que na sua simplicidade e agudeza situam as principais coordenadas da questão:

a) Não existe navegação oportuna e adequada nalguns portos marítimos da província;

b) Bloqueiam-se produtos de largo interesse económico, a prejudicar o abastecimento interno e a exportação, como é o caso do peixe fresco e das frutas;

c} Exige-se o pagamento em escudos metropolitanos de fretes de certas exportações da província, ao contrário do procedimento seguido pelas companhias de navegação estrangeiras, as quais aceitam o pagamento era escudos angolanos;

d) O regime de exclusivo das companhias nacionais permite-lhes um tratamento inadequado, esquecendo-se que é o ultramar que serve de suporte às suas actividades;

e) Insuficiência de tonelagem, inadaptação às exigências da exportação actual, redução de frequências, redução e até abandono de escalas em relação a portos de assinalado interesse económico, provocando o aniquilamento de uma débil economia e uma lamentável travagem da sua desejável e indispensável evolução.

Pois estes defeitos e esta forma de proceder das companhias de navegação, constituindo por assim dizer abencerragens de uma ultrapassada exploração de tipo colonial, exigem, como verdadeira e inadiável necessidade nacional, que se encare, frontal, decisiva e corajosamente, o problema, e com a maior urgência, antes que o mal se agrave.

Pois foi em razão disto que, como primeiro passo de solução, naquele colóquio se reconheceu como necessária e indispensável a existência em Angola de uma companhia de navegação, visando sobretudo a satisfação das exigências da província em cargas especializadas.

E logo ali se decidiu também, com o patrocínio e apoio das associações económicas da província, a formação de uma empresa de navegação de cabotagem e de longo curso, sob a forma de sociedade anónima, com o capital inicial de 100 000 000$, em subscrição aberta a todo o espaço nacional.

Medida corajosa e construtiva que me merece, e aqui o declaro, o mais entusiástico apoio, p ois é assim que, sem tibiezas nem vacilações, se ajuda e contribui para solucionar dificuldades.

Fui inteirado de que o respectivo expediente já seguiu para as vias competentes. Os homens de Angola são assim: rápidos e eficientes, razão por que solicito dos Srs. Ministros da Marinha e do Ultramar não só os seus cuidados, mas, muito mais do que isso, o seu carinho.

Não quero terminar estas considerações sem deixar de recordar que o grande impulso de uma marinha mercante para servir este País que se prolonga por vários continentes, numa antevisão de largo alcance social, político e económico, se ficou a dever ao então Ministro da Marinha, que é hoje exactamente o eminente Presidente da República Portuguesa. E também para revelar aos meus distintos colegas desta Gamara, que as queiram ver por nisso terem interesse, que tenho sobre a minha mesa fotocópias de conhecimentos de embarque e das várias companhias de navegação, uma das quais ainda persiste em chamar-se «Colonial», onde pode ler-se esta frase bem elucidativa: «Os fretes são pagáveis em Lisboa, em escudos metropolitanos.»

O outro problema tratado naquele colóquio, que também mereceu a minha atenção e o meu interesse, refere-se à emigração, como já disse. Mas deixo-o para uma outra intervenção.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Leite: - Sr. Presidente: Vou hoje tratar do tema «Política nacional e relações internacionais». Faço-o convicto de que, quer esta Assembleia, quer a opinião pública em geral, necessitam de ser esclarecidas quanto a algumas confusões e mal-entendidos que, voluntária ou involuntariamente, têm sido postos a circular nos últimos tempos.

Para evitar, contudo, o esvoaçar de fantasmas sobre as cabeças dos menos atentos ao contexto geral das minhas afirmações, ou dos porventura interessados em especular com o verdadeiro sentido de algumas expressões isoladas, penso ser vantajoso esclarecer previamente qual a minha posição em relação à «realidade ultramarina portuguesa» e o sentido que sempre tenho dado às expressões «aproximação» e «colaboração» com a Europa.

O meu espírito reformista não impede a minha adesão sincera aos princípios considerados fundamentais da política portuguesa, entre os quais ocupa lugar preponderante o da nossa presença nas províncias ultramarinas, descobertas e valorizadas por portugueses dos mais ilustres, numa época gloriosa da nossa história, só possível pela renovação estrutural que transformou o País após a crise de 1380 e pela actualizada preparação científica e técnica que a antecedeu. Terras que apresentam hoje uma determinada forma política, económica e cultural, graças ao esforço de tantos irmãos nossos (acrescentarei aqui de todas as etnias) que deram e continuam a dar o melhor do seu esforço e que tantas vezes sacrificaram e sacrificam a própria vida em nome dos mais altos ideais. Presença que tem de ser essencialmente entendida como esforço conduzido ao progresso moral, social e económico de todas as populações que, sem distinção de religião ou raça, confiam na verdade e na eficácia da nossa política de convivência racial.

O Sr. Giesteira de Almeida: -V. Ex.» dá-me licença?

O Orador: - Tenho muita ,pena, mas o meu discurso é muito longo e o Sr. Presidente só me concede meia hora para o pronunciar.

O Sr. Presidente: -Tenho de esclarecer V. Ex.ª de que não é o Presidente que só lhe concede meia hora, mas sim o Regimento.