Além destes processos iconoclastas, precisa-se uma linha geral de inconformismo com um significado mais filosófico e moral do que propriamente político, directamente insuflado por Marcuse. Caminhamos - afirma o célebre pensador americano - para uma sociedade que procura apenas a satisfação dos bens materiais no dualismo do produtor e do consumidor. Tanto nos regimes marxistas como nos regimes capitalistas o .ser humano não é mais do que uma peça da engrenagem económica. Segundo Marcuse, temos de libertá-lo desta servidão, apelando para os seus instintos biológicos profundos. A cornucópia da abundância, simbolizada por Amalteia, tem de dar lugar ao culto de Eros, não Eros obsceno e deus do ,amor, mas o deus das potencialidades da vida, inspirador das manifestações da arte. Temos de restabelecer na sociedade do futuro os direitos da imaginação como uma força produtiva. Devemos construir uma sociedade que supere a da economia e da indústria.

A contestação preconizada por Marcuse não será movida pelos operários, cada vez mais integrados no sistema capitalista, hoje como fruidores dos bens de consumo, amanhã como accionistas das próprias empresas. Será obra dos que combatem por um mundo melhor nos ghettos negros dos Estados-Unidos, das legiões de desempregados desintegradas da sociedade, dos hippies, que constituíram comunidades marginais, e, naturalmente, dos estudantes das classes médias superiores, insatisfeitos e reivindicativos, que encontram ma Universidade um alvo vulnerável para a sua fúria revolucionária.

Como em todas as grandes mutações da evolução da humanidade Marcuse é o intérprete, por excelência, da nova república, da república no significado platoniano, de que estamos assistindo as primeiras experiências ...

Sr. Presidente: Embora os movimentos dos estudantes se apresentem como um dos mais espectaculares aspectos da crise universitária, ou, para empregar uma expressão do vocabulário sociológico, procurem agir como um grupo de pressão, universitários, estadistas e sociólogos, todos concordam em que a Universidade está em vésperas de uma reforma de base. A Universidade, de um modo geral, e, muito particularmente, a Universidade Portuguesa. Ainda há pouco proclamou o Sr. Ministro da Educação Nacional, com a sua especial autoridade, que todos ansiamos pelas reformas das estruturas universitárias. E começaram a ser dados os primeiros e decisivos passos nesse sentido.

Longe, muito longe, de desejarmos estabelecer um programa, apontaremos esquematicamente alguns Idos elementos que, na nossa maneira de ver, só pedem considerar como pedras angulares da Construção que se pretende erguer.

A necessidade de reforma universitária - para seguir o esquema do aviso prévio- é, portanto, indiscutível e inadiável. Temos Ide abrir novos sulcos num terreno movediço. Ao reformador oferecem-se, desde logo, duas direcções capitais: em primeiro lugar, as estruturas em que nos países ocidentais se tem documentadas no fundo e brilhantes na forma dos nossos ilustres colegas. Em vez de nos demorarmos no exame dos factos do passado, tentaremos apenas carrear as pedras para a construção do futuro. Dentro da linha de rumo que acima indicámos, é já possível marcar algumas opções para a reforma da Universidade Portuguesa. E á aquelas que se nos afiguram mais significativas:

4.º Participação activa dos estudantes na gestão universitária no espírito da corporação medieval que deu origem às Universidades;

5.º Colaboração das actividades nacionais no desenvolvimento da Universidade, tanto no plano do espaço português como no plano propriamente regional;

Cada um destes pontos importa um esclarecimento, ainda que sumário.

Uma das perspectivas da actual crise do ensino superior em Portugal exige a criação de novas Universidades - como frisou o Sr. Deputado Miller Guerra -, ou seja a desconcentrarão das escolas existentes, que na maior parte dos casos se encontram superlotadas. Num sentido reformador, estas Universidades ensaiariam entre nós estruturas completamente diferentes daquelas a que estamos habituados. Deveriam incidir numa formação integral do estudante, combinando, disciplinas de ciências exactas- e ciências humanas, ou letras, como lhes chamamos correntemente.

Aproveitando a sugestão francesa, poderiam tornar-se Universidades pluridisciplinares, dentro de um sistema de grande flexibilidade, com várias cadeiras ou cursos à escolha do estudante. As hipóteses previstas num plano de estudos desta natureza implicam um aturado esforço de imaginação construtiva, naturalmente precedido de um inquérito promovido pelas entidades competentes, como já foi previsto pelo Ministério da Educação Nacional. Oferecem-se, desde logo, modelos, que poderíamos designar uns como verticais, outros como horizontais.

A título exemplificativo seria possível estabelecer um currículo de uma Universidade em que predominassem as ciências biológicas, temas fundamentais da vida, agregando-se-lhe ciências de aplicação, como a Medicina, a Farmácia e outras carreiras de iniciação médica. Neste caso encontrávamo-nos em face de um regime de estudos que poderia facultar aos alunos uma progressiva especialização que culminasse, e apenas para alguns deles, na investigação científica. E este o tipo de um sistema vertical.

Se optássemos por uma combinação de disciplinas, por agrupamentos horizontais, ficariam logo separados, desde o início da admissão à Universidade, os que procurassem apenas uma preparação profissional daqueles que se consagrassem inteiramente à investigação. Muitas outras combinações seriam exe quíveis. Por que não formar, por exemplo, uma Universidade com a linha dominante da estrutura e do funcionamento da vida social, isto é, as ciências sociais, nela incluindo cadeiras que hoje pertencem ao Direito, outras às Letras e ainda outras dela separadas