De nada adianta analisar dicotòmicamente a "crise universitária" em problemas técnica e institucionalmente universitários e em casos de ordem pública, ignorando ou fingindo ignorar que se está - não dizemos exclusivamente - perante um desafio ideológico, político-revolucionário, que como tal tem de ser enfrentado. Caso contrário, e sem querermos fazer de Cassandra, não auguramos grande futuro a uma reforma da Universidade.

Falámos atrás de "filosofia da reforma da Universidade portuguesa", e é aqui, neste domínio, que se situa a divergência a que já aludimos em relação às ideias propugnadas pelo Sr. Deputado Pinto Machado, quando, ao afirmar uma radical autonomia da instituição universitária, fundamentada numa epistemologia do saber científico, coloca resolutamente o acento tónico no carácter supranacional das Universidades. Nós não negamos, de modo algum, essa vocação idealmente universalista das Universidades, mas deslocamos o acento tónico para a coexistência inelutável dessa vocação com o facto de toda a Universidade ser uma entidade histórica, produto de um determinado processo histórico-cultural, entidade inserta num determinado espaço e indesligável de um contexto social - estamos neste ponto de acordo, embora com ópticas diferentes dos nossos estudantes contestatários -, indesligável de determinados sistemas de valores, enfim, indesligável de uma determinada concepção do homem e da vid A absoluta neutralidade do saber científico em relação a valores morais, metafísicos, existenciais, etc., é impossível, sobretudo nas chamadas ciências humanas e sociais .Esta coexistência de valores no seio da instituição universitária origina decerto tensões e desequilíbrios, mas não pode ser ignorada. Ora o que é extremamente grave é que se instaure, entre uma Universidade e a respectiva sociedade e os seus sistemas de valores, um desfasamento radical, como acontece quando uma Universidade, integrada numa sociedade dita ocidental, preponderantemente cristã, burguesa e liberal, cai sob o domínio do marxismo. E este, em grande medida, o terrível problema da Universidade francesa, e pode ser amanhã, em termos substancialmente idênticos, o problema da Universidade portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste domínio, os Governos têm uma responsabilidade indeclinável e têm de velar pelo cumprimento do mandato que a sociedade e a Nação lhes outorgam. Dentro da lógica democrática, esse mandato exprime-se e ratifica-se através das vitórias eleitorais. Ora, permitir e autorizar o revolucionarismo marxista verbal, panfletário, como processo de propaganda e doutrinação e proibi-lo quando se traduz em actos, é um contra-senso. Não se ignore um princípio importantíssimo formulado por Marx:

A teoria transforma-se em força quando penetra nas massas.

E se nos permitem um inciso; queremos neste momento dizer que, perante a actual situação dos movimentos sindicalistas europeus, é uma ilusão admitir que a contestação violenta e niilista findará com a reforma e a modernização, sob diversos aspectos da Universidade. A prova concludente e irrefragável do que afirmamos é fornecida pelas "novas Universidades inglesas", the plateglasse universities, onde os movimentos contestatários e de teor anarquista se desenvolvem exuberantemente. Quem se quiser documentar pode ver a já citada obra de Michael Beloff.

Não se julgue, porém, que estamos a defender uma Universidade monolítica e ideológica e politicamente segregatícia, cimentada pelas depurações e pela "caça às bruxas". O que defendemos é uma Universidade livre da violência revolucionária e da anarquia, da indisciplina e dos conflitos sindicalistas, que corroem e subvertem os fundamentos da instituição universitária; o que defendemos é uma Universidade livre dentro da fidelidade aos valores espirituais, culturais e históricos e aos interesses políticos e económicos da comunidade de que ela é parte integrante.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Leite: - Não apoiado!

O Orador: - Confiamos em Marcelo Caetano para a realização de uma Universidade que não traia Portugal!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Presidente: Hesitei bastante se deveria ou não trazer ao tema em debate neste aviso prévio o meu modesto testemunho ou contributo. Efectivamente, sem outras credenciais que não sejam os de ter sido, em tempos idos, aluno universitário e de ter, presentemente, dois filhos a frequentar a instituição que, durante muito tempo, foi considerada como a "sagrada oficina das almas", e, ainda, porque os problemas da Universidade se encontram na ordem do dia interessando a todos, bem se justifica que me houvesse decidido a fazer este breve apontamento.

Apontamento que é de ordem política, o que não causará certamente estranheza, nem poderá parecer despiciente, uma vez que estamos numa câmara política. Faço-o, no entanto, sem outro objectivo que não seja o do amor à verdade, contribuindo, sem ódios, nem ressentimentos, sem parcialidade e sem ambições, para a discussão da matéria em causa, que reputamos do maior interesse nacional.

Por isso é que a leitura destas minhas considerações bem precedida fica da advertência de frei Johan Alvarez, que reza assim:

O que cos parecer digno de represon ou de corregimêto seja posto a mynha ignorância e simpreza e ne a outro malecioso egano.

Mas vamos ao que importa: Constitui já hoje um lugar-comum o afirmar-se que em instituições universitários, destinadas a preparar homens que irão ocupar os lugares cimeiros em todos os sectores da vida nacional, não pode admitir-se uma situação de perpétua estabilidade, de permanente imobilismo. Estas, como outras instituições, não podem, nem devem, envelhecer, sob pena de não cumprirem a elevada missão que lhes incumbe.

Impõe-se, por isso mesmo, um esforço de conveniente e permanente actualização, o que se não fez e que faz com que se imponha agora uma reforma tão profunda que, segundo alguns, terá de levar n destruição dos próprios alicerces ou fundamentos em que assentou a Universidade. A reforma desta instituição está, actualmente, agudizada devido aos desajustamentos estruturais, por um lado, e à acção corrosiva de certos grupos ou movimentos dentro da Universidade, por outro.

Em virtude disto, o espírito com que se pode e deve encarar uma reforma tem de estar para além da racio-