A Comissão de Lisboa dos Serviços de Censura maculou, com os seus cortes autoritários, alguns lances do aviso prévio, impedindo que os leitores de um jornal, pelo menos, conhecessem o que o Deputado avisante dissera no pleno uso dos seus direitos e imunidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À dita Comissão atreveu-se a ir mais Longe: não só cortou a seu bel-prazer o que entendeu e quis, mas, o que é muito pior, adulterou o meu pensamento e intenção, obrigando-me a dizer o contrário do que havia dito.

O Sr. Pinto Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Pinto Machado: - Em achega no que o Sr. Deputado Almeida Cotta tinha referido, devo dizer que, em seguimento do meu requerimento em que pedia fotocópias das provas de imprensa relativas aos debates da Assembleia Nacional, com os cortes feitos pela censura, fui a Direcção-Geral da Informação, onde observei essas provas e onde tive o prazer de ouvir, do Sr. Director-Geral da Informação, que esses cortes haviam sido feitos sem o seu conhecimento, declarando-me ainda que tal não voltaria a acontecer. Por essa razão é que até eu entendi que estava dispensado de fazer qualquer intervenção na Assembleia sobra o assunto, visto que o objectivo estava atingido: ter essa garantia. Pelos vistos, não foi respeitado.

O Orador: - Muito obrigado pelo esclarecimento.

É com profunda mágoa que aludo a factos tão lastimáveis no encerramento do debate sobre uma matéria de grande importância para a Nação. Mas não posso deixar de o fazer, paira que a Assembleia saiba que as vozes que cá dentro falam livremente são estranguladas à saída.

Aqui fica, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu protesto solene pela falta de respeito com que a Comissão supracitada trata a cultura superior e a inteligência portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E feitas estas considerações tristes, retomo o fio das reflexões que vinha fazendo com regozijo.

As conclusões do aviso prévio mantenho-as por inteiro, porque condensam as ideias que tenho defendido, sozinho ou acompanhado, acercai da necessidade e urgência da reforma do ensino superior. E mais uma vez repito: não basta, reformar as Universidades existentes, é preciso, simultaneamente, criar outras, de novo.

Julgo que há vantagem em apontar, em voz alta, os defeitos e os erros, e também as soluções, porque só assim se pode ver, a plena luz, o estado grave a que chegou o ensino, e aplicar-lhe o remédio correspondente.

O silêncio é conservador. O progresso não "e faz sem polémica. Quem quer progredir tem de aceitar, de boa ou má vontade, incómodos e perturbações. Os que pretendem avançar sem sobressaltos são vitimas de uma ilusão tentadora. O ponto essencial está em saber quais são as pessoas ou os grupos incomodados, se aqueles que têm por si a razão e a justiça, se os que se aliaram à rotina, aos interesses e aos privilégios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não tenho dúvida nenhuma de que n vitória será dos primeiros, mas têm de lutar por ela.

Sr. Presidente: Houve quem estranhasse que DO aviso prévio omitisse aã referências usuais aos boas serviços prestados petas Universidades e professores à cultura nacional. Creio ter expressado o meu sentimento de tal forma que não deixei lugar ti hesitações ou dúvidas - respeito as nossas Universidades e a maioria dos seus catedráticos. Conheço as Universidades ultramarinas, fui aluno de duos Universidades metropolitanos, pertenço ao corpo docente de uma das mais prestigiadas, fui assistente e sou um modesto discípulo do único português que conquistou o Prémio Nobel.

A questão, porém, não é essa. Disse e sustento que se faz mister reformar o educação superior - isto nada tem n ver com 03 pessoas, mestres ou discípulos, mas com o quadro institucional que as formou, lhes modela o espírito e demarca o campo da acção. Até onde podia ter chegado o génio universitário português se não fosse apertado nas malhas de uma instituição anacrónica? A energia desbaratada ma luta contra a rotina e a incompreensão, que fruto não daria aplicada ao ensino e à pesquisa científica?

Recomendar, como se repete todos os dias, a reforma da mentalidade, sem dizer mais do que isto, é uma afirmativa bem intencionada, mas inoperante.

A maneira de pensar e de agir não se transforma nem se modifica, enquanto as circunstâncias concretas em que a existência dos homens - universitários ou não - se desenrolar dentro de estruturas caducos.

Com isto, não impugno o passado, a tradição ou os valores presentes, antes procuro que se criem as condições propícias ao desenvolvimento das capacidades e dos talentos.

Ao longo da história da nossa cultura deparam-se-nos duas tradições: a dos reformadores e a dos conservadores; os primeiros dão o avanço, os segundos estabilizam-no e, quantas vezes, o petrificam! Sou, claro está, pelos que reformam, criam, obrem horizontes às Universidades e a educação.

Para levar por diante estes propósitos é preciso uma energia poderosa e um programa ousado de política da cultura. O principal atributo de quem governa consiste em saber prever e escolher; prever os factos, escolher os fins e o modo de os atingir. Assim foi sempre, mas no nosso tempo de rápidas mudanças esses predicados tornam-se muito necessários e cada vez são mais decisivos.

Agir politicamente, quer dizer, exercer influência nos pontos cruciais da vida nacional, fomentar as reformas sem esperar que as situações cheguem ao extremo, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... abrir as instituições de maneira que o influxo inovador aí penetre a tempo, instaurar Universidades de novo estilo, evitará dissabores e muitos movimentos de protesto e contestação, ou simplesmente de desesperança.

Se dermos ouvidos aos profetas que têm os olhos virados paru o passado, conclui-se que o nosso país é pouco capaz de acompanhar a marcha da civilização contemporânea. As grandezas pretéritas -da Universidade e da História - fascinam os espíritos, dando-lhes força para refrear o desenvolvimento, o avanço das ideias, a competição internacional, a integração na Europa culta.

Há que combater, incessante e firmemente, mas sem acrimónia, a visão provinciana, e fatalista, substituindo-a