Base VII

(Base V da proposta da Câmara) No § 2.° do artigo 1.° do Decreto de 21 de Outubro de 1907 dispunha-se que "não poderão as sociedades de seguros explorar qualquer outro ramo de negócio"; e no § 3.° esclarece-se que "poderão, contudo, as mesmas sociedades de seguros praticar todos os actos complementares da sua indústria, e assim ser-lhes-ão permitidos todos os actos e contratos relativos a salvados, a reedificação ou reparação de prédios sinistrados e ao emprego das respectivas reservas e capitais"

Em comentário a estas disposições escreveu o Prof. Marcelo Caetano:

Não é lícito, portanto, às sociedades de seguros praticar actos de comércio estranhos ü actividade seguradora, com o único fim de obter um lucro que venha engrossar os resultados do exercício, v. g. a especulação sobre divisas estrangeiras, ou o desconto de letras, operação esta que, pela sua natureza, é essencialmente bancária e que, por constituir uma aplicação de fundos a curto prazo, não pode considerar-se um emprego de capitais no sentido da lei, ou seja, como complementar da indústria de seguros 12.

A redacção proposta é a que mais corresponde à do citado e transcrito § 2.º do artigo 1.º do Decreto de 1907; e não é taxativa quando refere certos "actos e contratos complementares", pois outros podem ser praticados, pela complementaridade com a actividade seguradora.

É muito rudimentar, e inteiramente desnecessária, a exemplificação que se apresenta do que se entende por complementaridade da actividade seguradora.

Nunca a este respeito se levantou a mais pequena dificuldade de interpretação e aplicação.

A exploração de qualquer ramo importa, em relação a ele, particularidades que implicam a prática de actos que são necessariamente complementares aquela exploração.

Julga-se, por evidente, desnecessária a demonstração. De 1907 até hoje muito se evoluiu, e a evolução continua e não parará: hospitais, computador, leasing, administração de propriedades como consequência de aplicação dos capitais, serviços administrativos, centro de processamento de dados, serviços actuariais, etc., tudo isto constitui complementaridade da actividade seguradora.

Sempre se entendeu por operações alheias à actividade seguradora "aquelas que não têm com esta conexão directa (e têm-no, se o demento final é uma operação seguradora), nem indirecta (e têm-no, se constituem um elemento instrumental: operações organizadoras, contratos de trabalho, aquisição e arrendamento de locais, dos meios de transporte, aquisição de móveis, operações de inversão das reservas, etc.) 14.

E, porque qualquer transgressão neste particular - desconhece-se que se tenha verificado - em nada afecta o contrato de seguro, e necessariamente os segurados ou beneficiários, pois apenas dará lugar a sanções disciplinares de natureza administrativa ou penal, esta Câmara propõe a seguinte redacção a esta base, que passará a ser a v:

As sociedades de seguros e de resseguros não poderão exercer actividade esstranha ao seu objecto, sendo-lhes, no entanto, permitido o exercício das actividades complementares ou conexas com a sua indústria.

(Base XVI da proposta da Câmara) Concorda-se com esta base. A propósito do problema escreveu o Prof. Martinho Nobre de Melo, no prefácio à obra do Dr. Soares Póvoas Considerações sobre a Indústria Seguradora:

Impressiona sobremaneira, em verdade, o negativismo que resulta da concorrência a certos bens que, pela qualidade pública dos seus possuidores, deviam ser seguros em todas as seguradoras nacionais e o que resulta da aceitação, em certos ramos, de riscos ilimitados por uma só seguradora, que os transfere para o resseguro estrangeiro com a consequente saída de divisas quando uma boa parte dessas divisas poderia ficar entre nós, se estivesse fixado na lei um adequado sistema de planos de subscrição 15.

O princípio da proposta é consagrado já em vária legislação em vigor. Assim: Decreto n.° 17 555, de 5 de Novembro de 1929, artigo 13.°; Decreto n.° 19 093, de 4 de Dezembro de 1930; Decreto n.° 20 944, de 29 de Fevereiro de 1932; Decreto-Lei n.º 23 052, de 23 de Setembro de 1933; Decreto n.º 25 935 de 12 de Outubro de 1935; Código Administrativo, e Decreto n.° 34 562, de l de Maio de 1945.

Considera-se, contudo, conveniente a deslocação do preceito para outro lugar, com ligeiras alterações em obediência ao que se observou no n.° 10. Acha-se também vantajoso alargar a obrigação consignada nesta base a outras entidades. Alvitra-se a seguinte redacção:

Os seguros do Estado, autarquias locais, institutos públicos, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, organismos corporativos e de coordenação económica, de assistência e previdência e empresas públicas só podem ser efectuados em sociedades de seguros nacionais.

(Base XIII da proposta da Câmara) Nada a observar. Trata-se igualmente de orientação há muito seguida; artigos 9.° e 10.° do Decreto de 21 de Outubro de 1907 e artigo 14.° do Decreto n.° 17 555.

Convém, contudo, tratar da matéria em outro local. Por outro lado, importa ressalvar as obrigações internacionais do País, e redigir o preceito tomando em consideração o artigo 82.° do Código Civil.

Salvo o disposto cm convenções internacionais, só os tribunais portugueses são competentes para conhecer das acções emergentes de contratos do seguro celebrados em território português ou respeitantes a pessoas ou entidades que à data dos mesmos contratos nele tivessem residência habitual ou domicílio.

(Base VIII da proposta da Câmara) Refere-se a base X às sociedades mútuas.

É frequente apresentarem-se como organizações com base mutualista aquelas "sociedades de mercadores por-

13 Boletim de Seguros, n.º 2, 2.ª série, p. 131.

14 Antigono Donati, em "Seguros privados", Manual de Direito.

15 V. também a propósito Dr. Rodrigues Leal, no artigo "O Seguro dos Bens do Estado", no Boletim de Seguros", n.° 60; Dr. Soares Póvoas, em Considerações sobre a Indústria Seguradora, pp. 90 e segs.