tugueses constituídas com o fim de ocorrer aos sinistros e às necessidades eventuais do seu comércio no estrangeiro e ombros fins semelhantes 16, o que sucedeu no reinado de D. Dinis. Pertence também a esta espécie a célebre Companhia das Naus, esta criada por El-Rei D. Fernando em 1367. Fernão Lopes, na Crónica de D. Fernando, escreveu:

E de tudo quanto esses navios percalçassem de idas e vindas, assim de fretes como de quaisquer outras coisas, pagassem para a bolsa dessa Companhia duas coroas por cento; e que fossem duas bolsas, uma em Lisboa e outra no Porto,... para do dinheiro delas se comprarem outros navios em lugar daqueles que se perdessem, e para outros quaisquer encargos que cumprissem para prol de todos.

E quando acontecesse que algum ou alguns navios perecessem por tormenta ou por outra cajão, e isto em portos ou seguindo suas viagens, ou sendo tomados por inimigos, iodo ou vindo em actos de mercadorias, que esta perda dos ditos navios que assim perecessem, se repartisse por todos os senhores dos ditos navios ...17 Aquelas bolsas - uma de Lisboa, outra do Porto - eram verdadeiras "corporações" de indivíduos que tomavam alerta quota-parte do risco a que estavam sujeitos os navios, nomeadamente pela "fortuna do mar", de tão difícil previsão. Têm, pois, as mútuas fundas raízes na história do seguro no nosso país.

Mas é oportuno lembrar o que no relatório que precede o projecto de regulamentação da Lei n.° 2071 dizia a comissão que fora incumbida da sua elaboração:

Em relação às sociedades mútuas de seguros não se pretende coarctar a sua formação quando esta se justifique, mas houve a preocupação de relembrar os princípios de respeitável antiguidade - embora também de desafortunada imprecisão - que presidiram ao seu aparecimento e permitiram o seu adulteramento; a reintegrar as mútuas na pureza dos seus objectivos iniciais; de delimitar rigorosamente o âmbito da sua actividade e de atribuir aos seus sócios as responsabilidades pessoais que justificadamente deverão assumir por se terem voluntariamente arvorado em auto-seguradores, na medida em que o forem. A primeira observação concreta que pode merecer esta base diz respeito à possibilidade de se constituírem sociedades mútuas estrangeiras.

É que os mútuas têm características nacionais; não nos parece que tão-pouco possam interessar a estrangeiros, pois, sendo os sócios os próprios segurados, sendo limitada a responsabilidade daqueles à sua contribuição para o fundo social e sendo, as mais das vezes, limitada a sua actuação a uma região, ou interessando, apenas, a uma dada profissão, tudo leva a crer que, como até hoje, as sociedades mútuas sejam portuguesas, e apenas portuguesas 18. Contudo, já na legislação de 1907 - nesta parte, como em tanta outra, em vigor - se estabelecia que as sociedades estrangeiras podiam ser anónimas ou mútuas (artigo 49.° do Decreto de 21 de Outubro). E a estas, exclusivamente, se destinavam, e destinam ainda, os artigos 12.° a 17.° daquele diploma. Entende esta Câmara que é de seguir a orientação adoptada naquele diploma de 1907. O confronto do direito vigente e daquele que se propõe no n.° l desta base justifica as seguintes anotações: No Decreto de 1907 dispunha-se que as sociedades mútuas de seguros não podiam constituir-se com menos de dez sócios (§ 2.° do artigo 12.°); não se faz na proposta em apreço qualquer referência ao número mínimo na base em exame, pelo que é de concluir que poderá constituir-se com número de sócios inferior a dez. Não se aceita esta alteração. Nesta base admite-se que as sociedades mútuas, sejam nacionais ou estrangeiras, possam restringir a sua actividade a determinada região; pelo § 3.° do artigo 3.° do Decreto n.º 17 555 só às nacionais era consentida essa restrição. Não se concorda com a inovação. Propõe-se agora, o que não sucede presentemente, que as sociedades mútuas possam restringir n sua actividade a uma profissão. Concorda-se, com a limitação referida na alínea anterior. A região e a profissão constituem aquelas características que se coadunam com as sociedades nacionais, e apenas com elas. Propõe-se que em relação às sociedades mútuas se observe "na parte aplicável, em tudo o que não estiver especialmente previsto", as disposições das secções III a VI do capitulo III do título II do livro II do Código Comercial; no artigo 17.° do Decreto de 21 de Outubro de 1907 a referência é feita apenas às secções III e IV daquele capitulo III.

Nada há a observar a esta extensão. É mesmo de aplaudir. Nas legislações de vários países - como, por exemplo, em Espanha e França - é frequente exigir-se que as sociedades regionais se instalem apenas em regiões que tenham determinado limite populacional como mínimo.

Parece razoável esta exigência, pois dificilmente se admite que possa sobreviver uma sociedade mútua numa região com escasso número de habitantes. Quanto às sociedades mútuas que restrinjam a sua actividade a determinada profissão, igualmente deverá ficar entendido que essa actividade respeitará a pessoas que exerçam a mesma profissão e que os riscos que cubram

16 Cf. "Dissertações Cronológicas e Críticas sobre a História e Jurisprudência Eclesiástica e Civil", na 2.º parte do 3.° volume, doc. n.º LXII, a p. 179, de João Pedro Ribeiro. V. também Prof. Moses Amzalak, Jornal de Seguros, de 30 de Junho de 1917.

17 Cit. pelo Prof. Fernando Emygdio da Silva, em Seguros Mútuos, pp. 171 e segs.

18 Há, neste momento, apenas quatro sociedades mutuas, e todas elas ligadas ao ramo marítimo: a Mútua dos Armadores da Pesca do Arrasto, a Mútua dos Armadores da Pesca da Sardinha, a Mútua dos Navios Bacalhoeiros e a Mútua dos Pescadores. Houve, até há uns anos, uma sociedade mútua que cobria o risco de acidentes de trabalho, mas foi transformada em sociedade anónima.

Os prémios cobrados por aquelas quatro sociedades atingiram, no ano de 1968, a cifra de 117 330 000$.