mente consultivas e por consequência reduzidas ao papel de conselhos técnicos das assembleias políticas ou do Governo».

Eis como a nossa Câmara Corporativa não tem verdadeiro significado político.

Demais, nem sequer é exclusivamente corporativa a sua composição, já que parte dos seus membros - praticamente todos os que formam a secção de Interesses de ordem administrativa - são nomeados pelo Governo, o Conselho Corporativo, sendo um mero Conselho de Ministros restrito; e o seu número pode ir até um terço do total dos Procuradores.

Quando muito, poderá qualificar-se o nosso corporativismo de subordinado, pois a Câmara Corporativa não é detentora do podar legislativo. Nem mesmo nos sectores corporativamente organizados se verificam os três requisitos de que depende a existência de um corporativismo de associação, ou sejam, a livre iniciativa, que exclui qualquer obrigatoriedade de inscrição ou de padrão, a administração independente e a personalidade jurídica.

Revertamos, porém, ao campo político.

Na concepção corporativa, aos cidadãos só é atribuída projecção política como membros das sociedades primárias: família, município, corporação. Por isso, o corporativismo é incompatível com o sufrágio inorgânico, que radica na atribuição do poder político ao povo, ao conjunto dos cidadãos enquadrados ou não nas sociedades primárias.

Diversamente, para o corporativismo o poder político só a estas pertence, dele beneficiando as pessoas apenas na medida em que nelas se integram: o indivíduo só pode afirmar-se na vida política e só terá voto na medida em que faça parte de uma sociedade familiar, municipal, profissional, cultural ou religiosa e nela exerça actividade que o valorize.

O cidadão em si mesmo não é para o corporativismo um elemento político, enquanto na concepção democrática ele é o elemento político essencial.

Como se viu, a nossa Constituição consagra a concepção democrática do poder popular nos se us artigos 3.º e 71.»

De harmonia com essa concepção, que ainda hoje se mantém, tanto o Presidente da República como a Assembleia Nacional eram eleitos pelo sufrágio directo dos cidadãos eleitores.

Essa era a fonte da legitimidade do poder, tanto mais necessária quanto maior ele fosse.

De sistema presidencialista autoritário passou-se a sistema simplesmente representativo, pela concentração, dos poderes no Chefe do Estado.

E a Assembleia Nacional tornou-se um órgão dependente do Presidente da República, mera auxiliar no desempenho da função legislativa.

Mas enquanto os seus membros continuam a ser eleitos pela fonte suprema de legitimidade em regime democrático, o Chefe do Estado passou em 1959 a ser designado por um sistema híbrido, dificilmente justificável, e que não assegura a indispensável representatividade ao titular dos poderes legislativo e executivo.

O Sr. Casal Ribeiro: - Não apoiado.

O Orador: - Para além de todas as incongruências deste sistema de eleição, avulta a circunstância de o número e em parte a própria forma de designação dos membros do colégio eleitoral depender afinal do Governo, ou seja. indirectamente, do Presidente da República.

A Câmara Corporativa encontra-se dependente do princípio, ao qual cabe, não só nomear os procuradores da secção XII e todos os daquelas secções que não possam constituir-se, mas também alterar, através do Conselho Corporativo, o número, a composição e a designação dos agrupamentos de actividades e interesses, independentemente da forma como estes se encontram estruturados nas corporações.

Como se isto não bastasse, o artigo 72.º da Constituição,

Verifica-se um acentuado desequilíbrio entre os órgãos de soberania, encontrando-se a Assembleia Nacional subalternizada e subordinada ao Chefe do Estado.

O Presidente da República concentra todos os poderes, exercendo-os através do Chefe do Governo, mas o processo da sua eleição não é consentâneo com os princípios democráticos de soberania popular inscritos na Constituição nem assegura representatividade ao detentor do Poder, pois o colégio eleitoral carece dela e encontra-se em última análise dependente do Governo ...

O Sr. Miller Guerra: - Muito bem!

O Orador: - ... aproximamo-nos por isso de uma autocracia.

Vejamos agora outro dos campos essenciais da ordem constitucional, ao qual dizem respeito tanto a proposta como um dos projectos de revisão da Constituição.

Na formulação dos direitos, liberdades e garantias individuais, e na sua protecção constitucional, está implicada toda a problemática das relações pessoa-sociedade, toda a limitação dos poderes do Estado pelos direitos da pessoa.

A concepção liberal do Estado mantinha-o distinto e, tanto quanto possível, afastado da sociedade, concebida como conjunto de indivíduos, àquele competindo assegurar os meios de livre desenvolvimento destes, feito por eles próprios, sem recurso ao aparelho governamental.

Para preservar essa separação, ao dispor da sociedade-indivíduos, foram colocados os meios próprios de contenção dos poderes do Estado, mero garante da harmonização da liberdade de cada um com a liberdade de todos.

Mas, a partir do desenvolvimento da ideia de igualdade, depressa se reconhece que o Estado se não pode desinteressar dos problemas da vida dos indivíduos em sociedade.

Assim o impôs o valor essencial da liberdade, que sem a igualdade se torna aristocrático privilégio de uns quantos: a separação entre o Estado e sociedade conduzia ao esquecimento da maior parte dos homens, entregues a si mesmo dentro de uma sociedade em que a liberdade a todos era garantida, mas só servia a uma minoria que tinha os meios económicos - e sociais - indispensáveis no seu uso.

O Sr. Miller Guerra: - Muito bem!