vismo em Portugal, que era "a altura de se tirarem da concepção institucionalista, na forma e com o espirito em que está consagrada em Portugal ("institucionalismo integral, corporativismo que faz do indivíduo, ao lado das corporações, um elemento estrutural da comunidade nacional"), algumas das suas principais inferências, uma das quais diz justamente respeito à eleição do Chefe do Estado.

Peço desculpa a Assembleia da extensão das citações, mas considerei que seria útil, no sentido de se compreender, que na linha da doutrina defendida pela Câmara Corporativa em 1959 a nova modalidade de eleição do Presidente da República é parte integrante da estrutura fundamental da Constituição. A seguinte afirmação do seu parecer é totalmente esclarecedora a tal respeito:

Sucede [...] que o sistema de eleição consagrado na proposta do Governo se tem de considerar substancialmente associado à concepção corporativa do Estado, na forma em que esta se encontra perfilhada na Constituição, e naturalmente requerido pelo grau de desenvolvimento já atingido pela organização corporativa da Nação.

Se o sufrágio orgânico-individualista para a eleição do Chefe do Estado decorresse necessariamente das próprias bases da Constituição, por que não foi ele sequer sugerido no parecer de 1951? E, .sobretudo, como se compreende a defesa aí feita do sufrágio universal é directo?

por que se declara:

Contando-se o nosso regime constitucional entre os de presidencialismo bicéfalo ou diárquico, encontramo-nos justamente perante o problema de saber qual desses dois sistemas de eleição (o actual e o anterior) corresponde melhor à ideia que na Constituição se faz do Chefe do Estado?

Há problema, afinal: problema que tem de ser considerado de frente.

Reflectir sobre se faz ou não parte da essência da doutrina corporativa na sua concepção portuguesa que as sociedades (primárias -em que, naturalmente ou por forca de lei, se inserem os cidadãos - tomem parte no poder político do Estado, é tarefa que cabe aos seus filósofos. Saber se tal decorre necessariamente dos preceitos constitucionais que nos regem, é questão muito diferente e para considerar aqui agora.

O título I da parte I da Constituição trata da "Nação Portuguesa". Exceptuando o § único do artigo 1.º ("A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território"), é no antigo 3.º que pela primeira vez surge a palavra "Nação": "Constituem a Nação Portuguesa todos os cidadãos portugueses residentes dentro ou fora do seu território." Não se indicam quaisquer outros elementos constitutivos da comunidade nacional.

No artigo 5.º caracteriza-se o Estado Português como "República unitária corporativa": é, portanto, a forma política "República" que é corporativa, e não a comunidade "Nação". Tal regime corporativo implica a "interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis", conforme consigna o mesmo artigo. A ,lei fundamental consagra, pois, duas realidades distintas: os cidadãos, que no seu conjunto constituem a Nação (antigo 3.º), e os elementos estruturais (antigo -5.º) em que eles se organizam socialmente.

Trata-se portanto, de categorias distintas de ser: se me é permitido valer da filosofia tomista, diria que os cidadãos são a "substância" da Nação, visito que existem em si mesmos, enquanto que os elementos estruturais são "acidentes", na medida era que existem na "substância" nacional sem que façam parte dela, sem que ela deixe de ser o que é se os perder. Ora afigura-se-me que nem sempre se estabelece - pelo menos com clareza - esta distinção fundamental, que contudo, na Constituição se exprime.

A utilização das designações "Nação inorgânica" (os cidadãos) e "Nação orgânica" (os elementos estruturais) predispõe à confusão. Não se trata de dois seres distintos, de cuja associação resulta um terceiro: a Nação propriamente dita. E muito menos se trata de que a "Nação inorgânica" seja como que mataria indiferenciada e inerte que uma norma organizadora - qual princípio formal da escolástica - modela em ser vivo.

No primeiro caso, a Nação seria integração de dois seres, sem fusão substancial, e, no segundo, só a "Nação orgânica" seria autenticamente Nação. A seguinte passagem - aliás já citada - do parecer de -1959 da Câmara Corporativa exprime claramente o conceito dualista (inorgânico-organicista) do ser "Nação": "... Nação, cujos elementos estruturais são, não apenas os indivíduos, mas também as instituições ou entes sociais em que eles vivem integrados e cujos interesses e sentimentos não se identificam necessariamente com os interesses e sentimentos da massa dos eleitores no campo territorial."

Creio ter demonstrado que os artigos 3.º e 5.º da Constituição não consentem este conceito dualista de nação, pelo que não me parece legítimo defender que o colégio eleitor do Presidente da República, por exprimir essa dualidade, a representa mais autenticamente e está mais de harmonia com a concepção corporativa da nossa lei fundamental.