Constitucional da Monarchia Portugueza dada e decretada pelo Rei de Portugal e Algarves, D. Pedro, Imperador do Brasil aos 20 de Abril de 1826». Apesar de a infanta-regente, D. Isabel Maria, asseverar que cumpriria e faria cumprir «aquele imortal Código Constitucional», «única tábua de salvação política», a Carta só vigorou, nesta primeira fase, dois escassos anos. D. Miguel I, regressado ao Reino, do seu exílio de Viena de Áustria, dissolvia as Cortes e convocava no Palácio da Ajuda, em 3 de Maio de 1828, «os três estados do Reino», os representantes dos três braços, clero, nobreza e povo ...

A Carta Constitucional, depois do efémero reinado de D. Miguel I, só seria restabelecida em 1834 com o triunfo das hastes liberais, comandadas por D. Pedro, o rei-soldado. Ainda assim sofreu um eclipse de 1838 a 1842, enquanto vigorou a Constituição promulgada pelos revolucionários de Setembro, inspirada na de 1822. Mas é sob a sua égide, durante sessenta e oito anos seguidos, até 1911, quase na nossa geração, que decorre um dos períodos mais tranquilos, mais prósperos, mais fecundo em enriquecimento moral e em realizações materiais da história da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As três revisões que sofreu em 1852, 1855 e 1896 não alteraram os seus preceitos fundamentais.

Depois desta excursão histórica, de que peço vénia aos meus ilustres ouvintes, podemos concluir que a Constituição de 1822 e a Carta de 1826, os dois textos básicos do nosso direito constitucional, marcam igualmente duas tendências, duas correntes, duas concepções políticas do nosso sistema liberal, com ressurgências que chegaram até aos nossos dias e daí o seu interesse. São os vintistas de 1822 que reaparecem na Constituição Política da República Portuguesa de 1911; são os cartistas moderados, os defensores do poder executivo autoritário que inspiram a Constituição do Estado Novo de 1933, aquela que estamos presentemente a rever.

Sr. Presidente: - 5. De facto, na Constituição de 1822 estavam representadas as ideias liberais na sua feição mais extremista. O poder real encontrava-se diluído, deixando-lhe intervenção insignificante na promulgação das leis. Criav a-se ainda uma deputação permanente das Câmaras como que encarregada de vigiar o procedimento do Governo. Além disso, como a Constituição só previa uma câmara electiva, não existia um órgão colectivo que servisse de conciliação entre ela e o Governo. Os representantes directos do povo podiam usar discricionàriamente da força da sua opinião. A Constituição iniciava-se pela declaração dos direitos do cidadão, tal como tinham sido proclamados pela assembleia revolucionária da França. Deste modo as Constituintes de 20 representavam um meio termo entre o poder demagógico da maioria e o poder que resvalaria facilmente para o despotismo. E, na verdade, quando a Revolução de Setembro triunfou em 1836, Passos Manuel e os seus sequazes promoveram as principais reformas liberais, em regime de governo pessoal, sem o funcionamento da Câmara, só convocada mais tarde.

Na famosa Carta Constitucional, pelo contrário, quase decalcada na Constituição Política do Império Brasileiro, inspirada pelos ditames políticos de Benjamim Constant, outorgada pelo presuntivo rei de Portugal, como um favor concedido aos seus súbditos, toda ela arquitectada em torno das prerrogativas e da intervenção do monarca, contenham-se os ingredientes fundamentais para se conciliar em Portugal a autoridade e a liberdade, o exercício do poder legislativo e do poder executivo, da soberania popular e dos direitos reais ainda tão solidamente ancorados na mentalidade do povo português. Desta maneira, a Carta, redigida apressadamente, era, na verdade, um instrumento legislativo que correspondia às necessidades reais da Nação.

Segundo um dos mais doutos juristas portugueses, a Carta tanto é a pedra angular de todas as nossas leis secundárias como a cúpula de todo o edifício social que construímos no século XIX 5. Pode afirmar-se que, por uma sábia inspiração dos seus redactores, ela constituía uma experiência das regras e das condições em que devia ser governado o povo português.

O poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial [escrevia ele] são os três mecanismos que devem cooperar, cada um na sua parte, no movimento geral; mas quando estes mecanismos se desarranjam, se atravessam, se entrechocam e se embaraçam, é necessária uma força que os reponha no seu lugar ... Esta força tem de estar fora para que seja neutra e a sua acção se aplique quando se torne necessária 6.

Adivinhamos que a força neutral, cuja interferência é logo solicitada quando se desarranje alguns dos mecanismos constitucionais, é o poder real, não tanto como poder executivo, mas como poder moderador. Isto numa monarquia. Mas numa república, de tipo presidencialista, será o próprio Presidente da República.

Este quarto poder, ainda reforçado na monarquia constitucional como uma câmara vitalícia, a Câmara dos Pares, é porventura o traço mais característico das nossas instituições políticas na época contemporânea.

Permitiu ele que na segunda metade do século passado, apesar das lutas partidárias, das balbúrdias parlamentares, das mudanças sucessivas de governo, o monarca representasse um elemento de equilíbrio e de persuasão, fosse um árbitro respeitado acima das paixões e das facções, um esteio seguro dos interesses nacionais nos momentos de crise. Podia afirmar um comentador avisado que a Carta era mais liberal do que democrática. Mais liberal - porque não só inscr evia, mais ainda, procurava garantir as liberdades fundamentais dos cida-

5 J. Lopes Praça, Estudos sobre a Carta Constitucional, vol. 1.º, p. III.

6 Príncipes de politique applicables à tous les gouvernements representatifs, pp. 34 e 35.