Ora, a descentralização administrativa é francamente desejável, e nela assentou sempre a política ultramarina tradicional; e, como ainda há poucos dias aqui referiu o Sr. Deputado Neto de Miranda, basta que o Governo e, designadamente, o Ministro do Ultramar mais amplamente a pratiquem, pois que já «existem expressamente consagrados na Constituição ou então têm sido objecto de lei ou decreto-lei».

Quanto à unidade política, estamos todos, segundo creio, de acordo quanto à sua necessidade. Particularmente neste momento, seria de todo o ponto inconveniente sequer parecer que se abria fenda - estamos todos de acordo na necessidade de reforçar a unidade política até na medida em que se pretende uma ampla descentralização administrativa.

Por isso mesmo, julgamos que deva haver todo o cuidado e prudência com as palavras.

De resto, na redacção de qualquer documento impõe-se a escolha das expressões que melhor se ajustem e que se evitem as que possam originar confusões - ou se prestem a conclusões não desejadas.

Ora, a expressão «autonomia», dado o abuso que dela se tem feito a vários níveis e propósitos vários, é uma dessas expressões inconvenientes, por equívoca e ambígua, a inserir na Constituição, mesmo quando referida à autonomia administrativa.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, mas não respondo pelo tempo.

O Sr. Barreto de Lara: - Tenho aqui na mão o Estatuto Político-Administrativo de Angola, que vem assinado pelos Srs. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás e Doutor António de Oliveira Salazar, onde se consagra que a província de Angola goza de autonomia administrativa.

O Orador: - Está muito bem.

Não me lembre a legislação, que eu conheço a legislação.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas V. Ex.ª diz que é perigoso, e mo entanto está aqui consagrado, e ilustrado até, pela assinatura do Sr. Doutor António de Oliveira Salazar ...

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados, especialmente ao Sr. Deputado Barreto de Lara, o favor de deixar o orador concluir as suas considerações.

Creio que já está bem marcado que ele não tem a concordância unânime da Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de continuar.

O Orador: - E para que havemos (nós de enxertar no estatuto fundamental certos princípios, traduzidos por palavras que podem fazer perigar a unidade plural da Nação, fazendo vestir ao corpo desta modelos ou roupagens políticas estranhas, que raramente não têm servido senão para a nossa ruína? E se a política tradicional da integração melhor serve a unidade nacional e se tem revelado como a mais humana, compreensiva e cristã do que todas as fórmulas conhecidas (quer sejam do estado federal, quer do estado regional), para que havemos de imitar e copiar esses modelos estrangeiros, uns que mal se casam com a nossa maneira de estar no Mundo, outros de criação recente e sem terem provado capazmente mós países onde têm sido dolorosamente experimentados?

Para colher vantagens internacionais da consagração da política ultramarina proposta? A tal propósito o Doutor Salazar ensinava que devíamos ter presente uma regra como princípio de acção: «Não fazer em nenhuma circunstância o jogo dos que pretendem ou pelo menos agem como se tivessem a pretensão de combater os nossos interesses legítimos e ignorar os nossos direitos.» (Discursos, vol. VI, pp. 419-420.)

Com o Digno Procurador Dr. Francisco Vieira Machiado acreditamos que «não conquistaremos um único amigo por chamar Estado a uma dada porção do território nacional», pelo que, «para efeitos internacionais, a designação é inútil e é, até, talvez prejudicial», porquanto, como bem diz um outro mui Digno Procurador, o Prof. Doutor Antunes Varela: «Aqueles círculos internacionais que hoje nos peçam palavras, a troco da sua simpatia, serão os primeiros a reclamar amanhã que, por um princípio de coerência, ponhamos a realidade ide acordo com as palavras ao serviço de desígnios que fácil será adivinhar quais sejam.»

Assim será, na verdade.

Efectivamente, se, ao invés daquilo que é nossa convicção, com a orientação preconizada na proposta do Governo poderia obter-se, a curto prazo, o aplauso d e certo opinião pública estrangeira a quem fazíamos o jogo, menos certo não é que tais aplausos resultariam de nos deixarmos levar pelos tão reclamados «ventos da História», que, para esses amigos de fresca data, são os ventos da mudança dos nossos territórios ultramarinos para as anãos do colonialismo marxista ou do colonialismo plutocrático, que, cobiçosa e vorazmente, desejam de há muito ver sob a sua dependência económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, os ventos da História, que queremos continuar a sentir soprar são os ventos da continuidade de Portugal, uno e indivisível, plurracial e esparso peio Mundo, sem que se comprometa ou abale, no mínimo que seja, a concepção tradicional de mação unitária, apetecendo então que o Governo tenha, neste contexto, a audácia redentora das fortes e grandes decisões.

Tanto quanto se pode concluir do parecer da Câmara Corporativa e, sobretudo, das declarações de voto de dois muito Dignos Procuradores, o caminho que se aponta na proposta de lei em apreciação não parece ser aquele que leva a melhor servir os superiores interesses nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E por isso é que a Câmara Corporativa, ciente de que a unidade plural da Nação assenta na histórica realidade de que não é só a metrópole que é Portugal e que também sem ultramar não há Portugal, vem sugerir que se transforme o processo de organização político-administrativo, de cunho acentuadamente federalista, da proposta de lei em exame num processo de desconcentrarão de funções, esse, sim, compatível com os princípios que informam o conceito de estado unitário.

Pena foi, porém, que a Câmara não tivesse ido mais longe neste particular, dando-nos conta das ponderosíssimas razões que, no momento actual, tornam particularmente perigosa e inoportuna a acentuação da ideia da autonomia política em relação aos territórios ultramarinos, e não houvesse concluído em desenvolvimento lógico pelo apagamento da expressão «estados», depois de reco-