A sua acção com presença efectiva nas províncias onde a guerra nos é movida; a permanência das forças armadas nesses territórios; o relevante esforço e tenacidade em prosseguir no seu desenvolvimento e na promoção social das suas populações são factores que não consentem, antes repelem, asserções que não passam de temores injustificados.

Todavia, não só os territórios em guerra foram alvo das atenções do Chefe do Governo. Cabo Verde, em paz, mas a braços com uma das suas terríveis secais, foi também objecto das preocupações do Prof. Marcelo Caetano, que visitou recentemente as ilhas, sem honras, sem pompas, antes numa jornada extenuante de trabalho e de percursos fatigantes, para verificação directa dos factos e adopção de medidas próprias para os enfrentar.

É a primeira vez em toda a nossa história, e não obstante as secas frequentes, que um Chefe do Governo se desloca em tais circunstâncias e para tais fins, observando a realidade, contactando com as populações, ouvindo os responsáveis, definindo directrizes, proporcionando meios de auxílio, contribuindo, enfim, para mais arreigar, se possível, o portuguesismo das gentes e firmar a solidariedade que nos une, tal como aconteceu nas províncias em guerra.

São factos. Pergunto: Isto é abandono? Isto é demissão?

Contudo, vejamos os concernentes dispositivos da proposta governamental.

Trata-se, antes de mais, do desenvolvimento de uma política que vem de trás.

A abolição do discriminatório Acto Colonial, com a transposição de preceitos seus para uma constituição política única para todos os portugueses; o abandono da designação «colónias»; a participação do ultramar nesta Assembleia, com aumento sucessivo dos seus representantes; a revogação do Estatuto dos Indígenas; a promulgação da Lei Orgânica de 1963, a que se seguiram os estatutos político-administrativos de todas as províncias, adequados à sua situação geográfica e às condições do meio social, e as ilhas. Não havia, porém, verba inscrita para abrir poços. Só havia para estradas ... de que a Boa Vista não necessitava.

Pois, não é que para o utilização da verba das estradas em abertura de poços - operação de simples transferência de verbas - o caso não tivesse de vir, então, ao Terreiro do Paço!

Não comento, embora saliente que o governador não esteve com meias medidas: mandou mesmo abrir poços...

Colónias, províncias, estados honoríficos, são conceitos que marcam fases de um desenvolvimento natural do ultramar português.

Não nos apeguemos ao significado usual das palavras. Lembremo-nos de que há Estados que o são apenas no nome, pois, dominados por forças estranhas à sua formação, estão afinal ocupados e dirigidos por estas. São Estados in nomine. Alguns só servem para fazer barulho na O. N.º U.

É tudo afinal de contas, uma questão de convenção, e entre nós uma tradição que em nada afecta os pod eres dos órgãos da soberania nacional - veja-se a este propósito o parecer da Câmara Corporativa, onde se afirma o seguinte, depois de várias citações:

É, pois, um facto que a designação de «Estado» está longe de ser desconhecida na história da nossa administração ultramarina e, em certa medida, pode, assim, considerar-se uma designação tradicional.

A proposta do Governo teve esta vantagem: as províncias serão Estados de honra, permanecendo unidas à Nação que as moldou, sem se deixarem subjugar por um neocolonialismo que as deprima e entorpeça, impondo-lhes concepções de vida diferentes daquelas que enformam a personalidade das suas populações à igualdade sociológica, sem distinções de raças, cultura, religião ou classe social.

O termo «Estado» não é, aliás, mais do que a extensão de uma honra já expressa no artigo 1.º, n.º 4.º, da Constituição quanto à índia, desde o texto primitivo, plebiscitado pela Nação, e que não foi motivo para objecções, mesmo nas revisões que se seguiram.

Não seria lógico que a honra fosse concedida a uma parte do território nacional e não possa atribuir-se às demais parcelas, «quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica».

O temor agora levantado não tem razão de ser. Não estamos mesmo perante uma inovação, mesmo efectiva que fosse. Repare-se: estamos apenas em presença de uma possibilidade. O Governo não propõe uma designação imediata e in controlável. Previne uma possibilidade que subordina a condicionamentos dependentes do futuro.

Sr. Presidente: Desejaria entrar com mais minúcia na apreciação dos restantes preceitos da proposta relativamente ao ultramar.

Escrevi algumas considerações para expor nesta tribuna.

Contudo, em revisão e cotejo com as declarações aqui feitas, já não corria o risco de me repetir, mas de ser acusado de plágio.

Eu sei que, em especial, o Sr. Dr. Neto de Miranda não me exigiria direitos de autor, mas as nossas ideias são tão coincidentes que até as próprias palavras são muitas vezes as mesmas. Era um risco ... Se eu tivesse talento diria que «les beaux esprits se rencontrent ...».

No entanto, não quero deixar de dar o meu pleno acordo à proposta do Governo quanto à autonomia polítioo-administrativa das províncias ultramarinas e consequente descentralização. E faço um apelo àqueles que porventura estejam reticentes.

Leiam, de boa fé, os textos em causa. Não isolem preceitos ou simples palavras. A revisão tem princípio, meio e fim.

Um estudo sério do conjunto revelará que, ao cabo, numerosos principios ora consagrados constitucionalmente fazem parte da Lei Orgânica e foram desenvolvidos nos estatutos político-administrativos das províncias ultramarinas.