Ora, as terras ultramarinas são territórios nacionais, e os territórios nacionais não se colonizam, desenvolvem-se, o que é muito diferente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O contrário seria atribuir a Portugal a missão chocante de colonizar ... portugueses!

O Sr. Casal-Ribeiro: - O Sr. Deputado dá-me licença? É só para um esclarecimento. A Junta de Colonização Interna ...

O Orador: - Pois é, mas é que se esqueceram de mudar a palavra «colonização» para «província interna».

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não é uma palavra tão feia, como isso.

O Orador: - Sr. Deputado, não é o problema de a palavra ser feia. Veja o desenvolvimento que vou dar ...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Todos nós a referimos, aliás.

O Orador: - Então estamos todos de acordo.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Mas o facto é que a Junta de Colonização Interna existe. É preciso mudar-lhe o nome.

O Orador: - E até a Companhia Colonial. Passa a ser Companhia Provincial de Navegação.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Com certeza, perfeitamente de acordo.

O Orador: - As palavras têm, com efeito, a maior importância e, quando podem transformar-se em armas contra nós e contra a verdade que apregoamos, é preferível modificá-las, ainda que tenham de se rasgar preconceitos arqueológicos, enraizados num historicismo decadente.

Por outro angulo, ao contrário do que se pensa no Chiado, o eixo da política internacional não é Lisboa.

O mundo não se mede, nem é sensibilizado, pelos nossos motivos, subtilezas e dialéctica, como as grandes assembleias sobejamente demonstram.

Também aí é forçoso combater, travar uma dura batalha diplomática, em defesa dos nossos direitos, das razões e da justiça que nos assiste.

Parece, assim, aconselhável proporcionar ao Governo instrumentos jurídico-políticos e conceitos actualizados que não consintam qualquer ataque, ou desmentido, baseado nas nossas próprias leis.

Em resumo: inovar nem sempre é mudar. Pode cifrar-se, como neste caso, em aperfeiçoar e enriquecer.

Sr. Presidente: No domínio dos direitos individuais, contemplados no artigo 8.º do estatuto constitucional, a proposta sugere algumas inovações de certo relevo.

Estão neste número a ampliação do direito de defesa às medidas de segurança, a proibição de estas se prorrogarem indefinidamente, a revisão do regime da prisão preventiva, o alargamento do princípio da irretroactividade da lei penal e, por fim, o estabelecimento do recurso contencioso para todos os actos administrativos definitivos e executórios feridos de ilegalidade.

Suponho que estas medidas, significando um reforço das garantias dos cidadãos, merecem o acordo e o aplauso das quatro correntes de opinião desta Assembleia.

Outro tanto não acontece em relação ao capítulo das liberdades. Aqui, importa dizer que a orientação ensaiada pelo Governo se reveste de acentuada timidez.

Eu bem sei que a liberdade nunca logrou obter, neste país, o tratamento e a consideração a que o seu alto valor, como cimento principal da dignidade humana, tinha jus o devia granjear.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mercê da feição especial da nossa psicologia, da debilidade das nossas estruturas económicas e educativas e, sobretudo, da falta de preparação, sempre entre nós a liberdade foi vítima de incompreensões e excessos.

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Umas vezes o excesso de liberdade acabou por oprimi-la, outras vezes o excesso de autoridade acabou por sufocá-la.

É preciso, pois, encontrar e desenvolver fórmulas que fomentem a aprendizagem do exercício da liberdade e reanimem os direitos de cidadania, de modo a alcançar-se a verdadeira participação de cada um nos problemas de todos, ou seja a colaboração efectiva dos cidadãos aos problemas, anseios, aspirações e rumos da comunidade nacional.

Nesta linha de considerações gerais, devo declarar que neste sector acompanho, em parte, a proposta do Governo, sem deixar de dar a minha adesão na especialidade a alguns aspectos do projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro e outros Srs. Deputados.

Sr. Presidente: A Constituição plebiscitada em 1938 assentava a eleição do Chefe do Estado no sufrágio directo.

E compreende-se. A função - pelos poderes que lhe competem, pela alta importância constitucional de que se reveste, por ser a chave de todo o nosso aparelho político - carece do prestígio que só uma ampla base eleitoral lhe pode conferir.

Apesar disto, a revisão da lei fundamental, em 1950, procedeu à mudança do sistema electivo, banindo o sufrágio directo.

Estava-se, ainda, no rescaldo de uma campanha eleitoral violenta, agitada e espectacular; e a alteração obedeceu ao propósito expresso de eliminar aquilo a que se chamou a possibilidade de um golpe de Estado constitucional.

Quer dizer: a modificação destinava-se não a estabelecer um sistema de eleição, mas a criar um processo de ganhar a eleição!

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo manifestei a minha discordância perante esta maneira, simples e fácil, de vencer os problemas e iludir o livre jogo das instituições políticas.

E o meu desacordo agravou-se pelo facto de o colégio eleitoral previsto no artigo 72.º aparecer viciado pela predominância de aspectos formais e possuir eleitores de nomeação governamental, o que conduz a esta contradição insanável: o órgão nomeado interfere na eleição do próprio nomeante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto não significa que defenda, para já, o sufrágio directo, preconizado no projecto do Dr. Sá Carneiro.