é estar dentro da legitimidade política vigente e aceitar as regras do jogo.

Desculpando-se-me o plebeísmo: não quero dizer que não houvesse mudanças de parceiros ou até alternância ao que se refere ao «parceiro» vencedor; o que quero dizer é que sempre o jogo foi jogado por poucos.

Por outras palavras: a vida política portuguesa de há um século a esta parte, pelo menos, tem assentado num compromisso de minorias, muito longe, portanto, da participação política total.

O facto, como facto, não me parece possa ser contestado.

O ponto está em achar bem ou mal; optarmos, decidida e corajosamente, por um caminho para o futuro.

Se queremos usar o povo como fonte de poéticas invocações ou moldura mais ou menos cenográfica dos acontecimentos, o caminho será um; se aceitamos e queremos uma pátria de todos, não madrasta de alguns, em que todos temos lugar com a mesma dignidade de pessoas, com a mesma virtual comparticipação no traçar do destino comum ... outro será e«se caminho.

É evidente que aceito a discussão: seja ela serena e leal, como todas deviam ser.

O que me desgosta são as «portas falsas», as fugas cómodas aos problemas incómodos, os ideais de rejeição na generalidade para evitar a discussão dos problemas ...

Vozes: - Muito bem!

mais acelerado; uma redistribuição de rendimentos de acordo, ao manos, com as aspirações populares à participação e ao consumo.

O caminho é o das reformas, cada dia mais necessárias e urgentes.»

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda acrescentar um outro ângulo do problema: é que um compromisso político minoritário é, por natureza, instável, já que existem conflitos entre os grupos participantes, quer no que respeita à repartição entre si do poder, quer quanto à exclusão de outros grupos.

Não será necessário meditar longamente no problema nem ir buscar exemplos muito longínquos: é o caso dos regimes (parlamentares sem fortes maiorias, é o caso dos regimes da América do Sul, em que as forças armadas deixam de remeter-se «ao papel que lhes pertence de escudo defensivo da Nação».

Aí também a importância da participação política total: desmistificando os falsos profetas, os «únicos» guardiões da Pátria.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Este é, pois, o momento e o lugar.

Revendo a Constituição, havemos de interrogar-nos e escolher.

Pedir-nos-ão contas os portugueses que hão-de vir. Creio que a perspectiva que acabo de delinear importa mais a cima assembleia política do que o problema da natureza constituinte ou não do poder de revisão.

Não posso até deixar de exprimir alguma perplexidade por só a propósito da actual revisão o problema ser suscitado. É que a questão («em querer ir até à Antiguidade Grega) põe-se desde que o domínio político perdeu a sanção religiosa e a distinção, nos seus precisos termos, foi feita quando da Revolução Francesa 5.

Julgamos, aliás, que o problema só é clarificável numa óptica do direito como «contrôle social» próxima da de Pound.

O que tudo demonstra como o (problema não tem nesta Câmara o seu lugar próprio.

Por isso me ficarei numa noção extremamente simples: tenho para mim que, aceite a ideia de que a soberania reside em a Nação, sempre, e em qualquer momento, a Nação terá, necessariamente, poderes constituintes.

Sempre a Nação conserva a liberdade de, em qualquer momento, exercer esses poderes de soberania organizando-se sob novas formas, uma vez que tenha adquirido a consciência jurídica da necessidade destas novas formas.

Pode ela organizar-se de forma a querer, em prazos e por modos que determinou, rever essa organização.

Mas, a verdade é que o facto de a revisão se exercer em certo prazo e por certo modo não retira à Nação a sua força e o seu poder constituinte. E, por isso, exclusivamente a Nação quem, em cada momento histórico, fixa quais as alterações que se lhe afiguram necessárias ou, inclusivamente, opta por novo texto constitucional.

Daqui é que não há que fugir: nem percebo a coerência que possa existir nos defensores da tese do poder «constituído» com a oposição que manifestam ao sufrágio universal e directo como processo de escolha do Chefe do Estado, uma vez que esta é a fórmula plebiscitada em 1933 ...

Mas, seja como for, o problema não me parece justificar o relevo que lhe vem sendo dado, a menos que se procure uma «manobra de diversão».

É que nem a proposta, nem os projectos n.ºs 6/X e 7/X estão, de nenhum modo, em desacordo com a essência constitucional vigente.

Não se descortinam assim razões para o relevo dado à questão, a menos que também ela seja manifestação de preferência pelo imobilismo «ocultador» de problemas.

A verdade é que, para não pensarmos sequer no futuro que começou, a vida portuguesa mudou radicalmente nos últimos anos. Em 1950, o País era ainda predominantemente rural, com cerca de metade da população activa na agricultura, e o produto das indústrias transformadoras

5 Foi Sieyès quem distinguiu entre pouvoir constituant e pouvoir constitué.

Não sei até que ponto se esquecerá que normalmente a teoria de Sieyès é vista como um processo de substituir «a monarquia, ou domínio de um só homem, pela democracia, ou domínio da maioria». É, por exemplo, a posição de Hannah Arendt, in Sobre a Revolução, ed. portuguesa de Morais Editores, p. 161.