Ex.ª disse mesmo, por que citou de memória, que os títulos da Constituição são exactamente esses: dos cidadãos, das famílias, das autarquias locais e dos organismos corporativos. E exactamente a enumeração que a Constituição faz, por via enunciativa, dos elementos integrantes da própria Nação.

Se assim é, devo dizer-lhe que me escapa, em certa medida, por que razão à face do texto constitucional vigente V. Ex.ª dá dignidade de elementos estruturais da Nação às famílias, às autarquias locais e aos organismos corporativos e neles não inclui os cidadãos, que são tratados na Constituição em pé de igualdade exactamente com a mesma formulação constitucional.

Além disso, há aí, se V. Ex.ª mo permite, uma pequenina divergência doutrinária: é que a doutrina corporativa, a verdadeira doutrina corporativa, considera os cidadãos como elementos estruturais da Nação. Mas isso é um lapso de doutrina que efectivamente pode aceitar-se ou não da parte de quem o defende. Muito obrigado.

A Constituição volta a não ter culpa. Mas dir-se-á: Também até 1959 houve regime corporativo e o sistema de eleição do Chefe do Estado foi o do sufrágio directo.

Pois foi; mas, por um lado, a verdade é que só a partir de 1956, com a criação das corporações, a Câmara Corporativa se pôde estruturar em termos de efectivamente representar a Nação orgânica, e, por outro lado, o facto de ter existido outro sistema não creio que afecte a maior conformação do actual com a estrutura constitucional vigente.

E só isso é que neste momento pretendo afirmar. Pode ainda dizer-se, e foi-o já, que o colégio eleitoral, tal como está definido no artigo 72.º da Constituição, não representa efectivamente toda a Nação, orgânica e inorgânica..

Mas isso já não atinge a validade do sistema, é questão adjectiva que vai para além da discussão e tem remédio fácil: melhore-se a estrutura desse colégio eleitoral, parecendo que, quem deveria propor essa melhoria, são aqueles que a põem em causa.

É este o momento oportuno para o fazerem, já que este é o momento de revisão da Constituição.

Se o não fazem, aceitando, por outro lado, a estrutura corporativa da Nação, que não puseram em causa no plano revisional, também não têm razão para se queixar. A culpa torna a não ser da Constituição. E postas estas questões essenciais, que creio incontroversas, vejamos algumas questões acidentais que também a propósito do mesmo problema têm sido levantadas.

Há quem diga que tanto na eleição inorgânica (no sufrágio directo dos cidadãos eleitores) como na eleição orgânica (eleição por intermédio dos representantes dos órgãos) é sempre o cidadão que vota, pelo que melhor seria confiar-lhe a ele, em exclusivo, essa votação.

Dito por outra maneira, diz-se que, aparecendo individualmente ou integrado em grupos ide que faz parte, os indivíduos são sempre os mesmos e portanto a Nação é apenas constituída por cidadãos.

Pa ra clarificar ideias, vou usar uma imagem tomista:

Tomemos um monte de pedras poetas ao acaso; nessas circunstâncias a realidade será sempne e apenas um monte de pedras em que os elementos individuais serão cada uma dessas pedras.

Admitamos, porém, que com essas pedras construímos edifícios que no seu conjunto formam uma cidade.

Então a realidade agora será outra: uma cidade, formada por edifícios e estes por pedras. Quer a cidade, quer os edifícios, terão realidade própria, tal como as pedras que os constituem. Não diremos mais que estamos perante um monte de pedras, mas sim perante uma cidade que tem edifícios, os quais são formados por pedras. Não há um monte de pedras: há uma cidade.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu tenho estado a ouvir com o maior interesse e com o maior prazer a exposição que V. Ex.ª está fazendo a esta Câmara e agora impressionou-me particularmente a imagem tomista que quis invocar, porque me pareceu que, na sequência lógica desta imagem ...

O Orador: - Eu vou fazer a sequência lógica, mas V. Ex.ª fará a sua.

O Sr. Magalhães Mota: - Então talvez eu me esteja a adiantar, mas pareceu-me que as pedras, segundo a imagem tomista, tinham pendido a sua razão de ser. E já não havia as pedras, havia só o edifício.

O Orador: - Os edifícios sem pedras, desmoronam.

O Sr. Magalhães Mota: - Mas a realidade tinha passado a ser outra.

Pareceu-me que essa seria a tal concepção transpersonalista, que nem V. Ex.ª nem eu aceitamos.

O Orador: - Para que, o edifício exista é necessário que as pedras que o suportam sejam suficientemente f optes. Logo, não se despersonalizam.

O Sr. Magalhães Mota: - Julgo que, em todo o caso, V. Ex.ª estava a invocar que a realidade «era o edifício, a realidade era o monte. Talvez as pedras lhe estivessem na origem, talvez as pedras fossem importantes, mas a realidade era, de facto, o edifício e o monte.

O Orador: - As pedras mantiveram a sua importância na realidade subsequente.

O Sr. Magalhães Mota: - Não me parece que essa imagem seja perfeitamente adequada para justificar uma concepção que, como V. Ex.ª disse, não é transpersonalista. Aí, o que efectivamente me parecia era que os pedras tinham perdido a sua dignidade. E eu não aceito ...

O Orador: - Eu também não.

O Sr. Magalhães Mota: - Então não me parece que a imagem seja a mais perfeita.

O Orador: - Peço desculpa a V. Ex.ª, mas continuo a dizer o seguinte: as pedras não perderam a sua individualidade, porque são indispensáveis à construção dos edifícios. Os edifícios é que ganharam realidade, assentes nas pedras. E a cidade ganhou existência pelo conjunto dos edifícios que a formam. Todos esses elementos mantêm a sua importância no conjunto e são indispensáveis à realidade orgânica, global, que se apresenta depois como finalidade absoluta.

O Sr. Magalhães Mota: - Mas V. Ex.ª considera, nesse caso, que a realidade se centra sobre as pedras ou sobre os edifícios?

O Orador: - Eu disse que se centrava sobre todos eles. As pedras são necessárias aos edifícios, os edifícios à cidade e a cidade aos homens.