e enquadrar ajustamentos e viragens, para atender, enfim, mas (palavras governamentais, «a necessidades novas ou ir ao encontro de expressões de necessidades antigas a que os tempos novos dão novos matizes e novo vigor.

E acrescenta-se:

E, se a riqueza política dos instrumentos jurídicos varia na razão inversa da sua «carga ideológica», entende-se bem a profunda, desdoutrinarização de todo o capítulo VII da 2.º parte da Constituição ...

Transcrevo estas palavras para ilustrar a vantagem que há em poupar o texto da lei fundamental a expressões susceptíveis de provocarem dúvidas, ainda que pudessem concorrer para atenuar incompreensões ou hostilidades vindas de meios internacionais.

Certas transigências que, a partir da última guerra, se materializaram em normas, actos e afirmações de diversa índole não surtiram efeito benéfico ei, embora obedecendo a preocupações de mera táctica política, aí estão mais ou menos institucionalizadas ou estratificadas em esquemas e hábitos dificilmente removíveis e prejudiciais para a Nação.

Coerência de pensamento. - No decurso da última campanha eleitoral, depois de preconizar «uma política de ampla descentralização administrativa» e de declarar que «esta não contende nem com a ideia da progressiva e efectiva integração do espaço português, feita nos dois sentidos e de modo equilibrado e harmónico, nem com a tese natural da exclusividade da atribuição aos órgãos da soberania de funções que, por natureza e razões de Estado, só a eles devem competir», afirmei:

Tive já ensejo de me debruçar detidamente sobre estes melindrosos problemas em diversas comissões da Assembleia Nacional e, de modo particular, na comissão incumbida em 1963 de estudar a proposta relativa à Lei Orgânica do Ultramar ...

O conteúdo e o sentido de algumas das bases dessa lei deveriam ter merecido do Governo e daquele órgão de soberania outro tratamento. As graves reservas que a tal respeito surgiram no meu espírito têm sido avolumadas pelo tempo e pela experiência.

Nesta fase decisiva da nossa vida colectiva, as minhas considerações, pelo que dizem ou querem dizer, não são vaga expressão verbal ou simples dissertação académica, antes reflectem legítima preocupação que, em meu juízo, deve ser vivida por quantos comungam na ideia da unidade ...

Na sequência da atitude que assim defini em 1969, não posso deixar de reafirmar que se perdeu em 1963 uma oportunidade rara, mas não única, para rectificar certas soluções e estruturar a descentralização administrativa de modo mais adequado à consolidação da unidade nacional - ao conceito da «Nação una» de que falava Norton de Matos e que o Prof. Barbosa de Magalhães queria ver traduzida na tríplice dimensão da «unidade territorial, económica e de acção».

Creio que neste domínio se vem de há muito a incorrer em dois erros.

Desvios de semântica. Lições aja história. - O primeiro erro tem consistido na invocação de aspectos de carácter histórico, por vezes de interesse secundário ou de autenticidade discutível, para fundamentar pontos de vista que se pretende sejam mantidos ou venham a triunfar. E por estranho que pareça, são por vezes aqueles que menos respeito mostram pela história e pela tradição quem mais recorre a este processo.

Palavras até que sofreram alterações semânticas radicais e foram adoptadas no passado em acepção diferente da que ora possuem têm sido, amiúde, apresentadas em abono de teses não raro contrárias ao pensamento dos responsáveis pelo destino de Portugal em tempos mais ou menos distantes.

Nem deve perder-se de vista que as circunstâncias actuais não são comparáveis às desses tempos e que as facilidades de comunicação, as conquistas da ciência e da técnica e outros factores tornam possível a adopção mais generalizada de soluções semelhantes nas várias parc elas do Estado Português.

Não ponho em dúvida que a história ofereça lições proveitosíssimas para a nossa continuidade de país euro-africano. Mas a vontade e a fé dos que, ao longo dos séculos, se sacrificaram pela Pátria devem, acima de tudo, estar sempre presentes no nosso espírito.

Grande ensinamento da história é, na verdade, aquele que Richard Pattee aponta nestas palavras:

A situação em Angola em fins do século XVIII é pouco menos que indescritível. O último quartel desse século e o primeiro do século XIX é um meio século de desastres sem interrupção, de ameaças de destruição e de grave perigo para o desmoronamento da obra de trezentos anos. Mas, apesar das catástrofes que afligiam a metrópole, os Portugueses não abandonaram as suas possessões africanas e nesta tenacidade da sua resistência mostraram essa capacidade especial que os tem servido admiravelmente em diversas circunstâncias da sua tormentosa história: a de ficar quando todas as vantagens aparentes e razoáveis aconselhavam a partida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Soluções alheias inaplicáveis. - O outro erro frequente na legislação e na literatura jurídica e política ultramarinas é a adopção de sistemas e práticas de outros países que possuíram ou possuem territórios em África. É flagrante, por exemplo, o paralelismo das leis portuguesas em relação às da França.

Será preciso lembrar o que se passou com os territórios extra-europeus dessa nação?

Acentuadas divergências de ordem histórica e de finalidades impõem rumos distintos às políticas dos dois países e mostram que devemos procurar soluções próprias para os nossos problemas. Tem de se promover a revisão do que não favoreça uma crescente solidariedade de todos os territórios portugueses. E deve tender-se, nos limites do possível e conveniente, para a harmonização das leis, das instituições e dos serviços.

Seria grave adoptar orgânicas e técnicas preconizadas por alguns que, dizendo-se anticolonialistas, pretendem criar condições propícias à instauração de um novo e perigoso colonialismo. Não podemos integrar-nos numa linha de orientação que seria fatal para o nosso destino colectivo. E se acaso, de algum modo, nela já nos encontrássemos, ainda que em obediência a propósito estratégico, importaria não insistir, mas, ao contrário, arrepiar caminho. Sem isso, acabaríamos por ser vítimas de métodos incompatíveis com os mais fundos interesses da Nação: os da sua unidade.