e de facto em que se apoiam e vivera logo deles farão ou tenderão a fazer Estados federados mais ou menos perfeitos.

Havemos de convir em que o problema, sendo de fundo, é também de limites e que, neste óptica, logo impressiona que se caracterize o Estado regional como sendo «um regime de descentralização política e não simplesmente administrativa» e que «os órgãos das regiões autónomas não se limitam a administrar: governam e legislam».

Se a região for, pois, uma unidade política, e sendo certo que no texto da proposta de lei se lhe consagram apenas algumas bases muito gerais, fica para a lei orgânica e para os estatutos complementares a fixação do regime de governo das províncias ultramarinas.

Se a lei orgânica é votada pela Assembleia, a quem cabe estabelecer os estatutos?

Eis um ponto que deverá decidir-se desde já, a fim de se evitar o risco de poderes constitucionais se transferirem para órgãos que não são de soberania, o que, a acontecer, levaria a situações inconciliáveis com o conceito unitarista de Estado. Daí que, logo numa das primeiras reuniões da comissão eventual, eu tivesse chamado a atenção para este problema e declarado que apresentaria uma proposta destinada a reservar aos órgãos da soberania aqueles poderes.

São, de facto, os domínios político e legislativo os que reclamam maiores cuidados quando se prescrevem normas desta natureza e relevância.

Ocorre-me este judicioso apontamento de Hans Kelsen:

A génese dos actos individuais do Estado, que pertence à esfera da chamada função executiva, admite e requer -a descentralização em medida muito maior que o acto da formação da vontade geral, ou seja a chamada legislação ...

E o mesmo autor acentua:

Se o território do Estado se dividem grandes demarcações administrativas ou regionais [...], é mais que provável que os organismos de administração autónoma - especialmente quando a sua composição política e as suas maiorias e minorias sejam distintas da câmara legislativa central - não considerem como sua principal norma a legalidade dos seus actos, antes se deixem levar facilmente a uma consciente contraposição em relação ao parlamento, pelo que, assim, se vê a vontade colectiva [...] em perigo de ficar frustrada pela vontade das partes autónomas.

O problema, revestindo carácter jurídico, é, sobretudo, essencialmente político. E, neste plano, o que importa é saber aonde podem conduzir os esquemas concebidos pela teoria jurídica ou pela exegese dos hermeneutas.

Que esta matéria é delicadíssima vê-se pelos termos e raciocínios do parecer da Gamara Corporativa, no qual, por vezes, se produzem afirmações algo contraditórias.

Assim, por exemplo, invoca a Câmara Corporativa o caso da França, «país clássico da descentralização», para dizer que aí «está na ordem do dia o problema da regionalização».

Simplesmente, conclui:

Na orientação da doutrina oficial, exposta pelos Presidentes Pompidou e Chaban-Delmas, a região confinar-se-á, porém, a tarefas administrativas de índole particularmente económica insusceptíveis de serem resolvidas no quadro restrito das comunidades e divisões administrativas tradicionais.

Como se vê, o regime apontado é bem diferente daquele que o parecer estava a considerar para nós, sucedendo que a regionalização francesa se limita «a tarefas administrativas de índole particularmente económica» e não pressupõe, por isso, qualquer autonomia política ou legislativa.

Noutro passo do parecer, lê-se:

A descentralização legislativa regional não afecta esta unidade. Já Marnoco e Sousa chamou a atenção para que «o Estado unitário não envolve necessariamente o poder uniforme e centralizador e, por isso, um Estado não deixa de ser unitário ou simples pelo facto de reconhecer uma autonomia maior ou menor às circunscrições administrativas.

Também a afirmação de Marnoco e Sousa, de alcance limitado, não pode abonar a doutrina, bem mais larga, que o parecer defende. Basta atender aos termos da premissa para se ver que a conclusão se não liga com ela.

Ainda a propósito de outro problema importante, ou seja o de saber se devem reconhecer-se «direitos» ou «competências» às províncias ultramarinas, o raciocínio esboçado pela Calmara, Corporativa impunha uma solução diferente da que veio a prevalecer. O texto do parecer conduz a que a Constituição não deve reconhecer «direitos», mas «competências», pois, na verdade, «só um Estado membro numa organização federativa tem direitos perante o Estado federal. A região autónoma, não».

Apesar disso, a Câmara acabou por perfilhar a solução que de forma alguma se compadece com a essência de Estado unitário, como resulta da argumentação por ela própria aduzida.

O Estado Português no pensamento de Salazar. - Não posso ainda evitar um reparo ao facto de no parecer se atribuírem a palavras de Salazar significado que não se me afigura coincidente com o seu pensamento geral. Admito que uma ou outra vez, por motivos de política internacional, Salazar houvesse produzido afirmações susceptíveis de várias interpretações ou até que em diplomas legais deixasse uma ou outra marca formalmente menos compatível com a sua concepção do Estado Português.

Mas devem considerar-se, em conjunto, as suas asserções e atender às contingências, por vezes dramáticas, em que teve de mover-se.

Por isso, ao referir-se aos problemas da autonomia administrativa e da unidade governativa nacional, entendeu necessário o seguinte esclarecimento:

Ora tudo isto comporta tantos e tão complicados problemas que não poderemos estar seguros de todos terem logrado sempre a melhor solução.

Quando em 1961 actuou contra o terrorismo, fê-lo não apenas para defender os territórios e as populações, mas para manter a integridade moral e política de Portugal - como Estado, como Nação e como Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não foram sòmente razões de carácter humanitário ou de prestígio para o País ou o propósito de restabelecer a autoridade pública ofendida que estiveram na base dessa arrancada histórica. Foi tudo isto e mais alguma coisa: foi salvar uma parcela de Portugal.

Assim se compreende que, em 12 de Agosto de 1963,