O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: A revisão da lei fundamental ido País, em que estamos empenhados, abrange problemas importantíssimos. Estão neste caso os atinentes aos direitos, liberdades e garantias individuais; ao processo de eleição do Presidente da República; à competência, reservada u Assembleia Nacional, sua composição e funcionamento; ao regime jurídico das províncias ultramarinas; às relações do Estado com as confissões religiosas; ao estatuto dos cidadãos brasileiros em Portugal, etc.

Servem de alicerce à discussão um bem elaborado texto governamental e ainda dois textos da iniciativa de parlamentares, um dos quais brilha pelo conteúdo teórico e pelas generosas intenções personalistas que o amimam, enquanto, no outro, o ponto fundamental diz respeito à inclusão do nome de D BUÍS na Constituição, conforme o anunciado projecto do alto e cristianíssimo espírito do nosso finado colega Dr. Leonardo Coimbra, a cuja memória rendo preito sincero.

Perante a notícia da revisão constitucional, diversas reacções afloraram no seio da opinião pública.

Há quem pense que tal como está, no essencial e na sua estatura, a constituição responde às necessidades da conjuntura histórica ide hoje.

Em perspectiva diametralmente oposta, diz-se que, reformada ou não a Constituição perdeu toda a razão de ser, se alguma vez a teve.

Seguem a corrente que ditou a revisão em curso quantos consideram vantajoso modificar o diploma existente, inovando corajosamente onde houver lugar a inovações, remodelando e completando o que carecer de melhoramento, à luz das exigências postuladas pelo bem comum.

Pessoalmente, aceitemos esta maneira de ver, atenta a inviabilidade prática, aqui e agora, da proposta maniqueísta e a miopia intrínseca da pura atitude estática. Efectivamente, a evolução social do mundo português registou, nos últimos anos, transformações notáveis, transformações que, ao afectarem os modos de vida e as mentalidades, arcaizar am leis e instituições. A uma «sociedade tradicional, patriarcal e agrária» substituiu-se progressivamente «outro tipo social dominado pelas relações industriais e pelo predomínio dos serviços», disse-o, em síntese, o historiador Marcelo Caetano.

Dai a conveniência de dar resposta aos desafios que assim nasceram, para não ser pelos mesmos vencido.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Nesta perspectiva, e à luz das disposições constitucionais, ,o Governo procedeu à revisão da Constituição em vários aspectos.

Tal resolução decorre de ponderada reflexão sobre a conjuntura e as carências do País no momento presente e contém apreciáveis melhorias.

Mas, como um dia o Sr. Presidente do Conselho observou, quando um diploma surge é frequente «encontrarem-se nele imperfeições» «e há, por outro lado, a possibilidade de a análise dos mesmos contextos sociais sugerir, em sisuda e atenta meditação, soluções diferentes das inicialmente perfilhadas pelo legislador.

Por isso, a breve trecho, o diploma governamental teve a companhia de dois projectos, descendo todos eles à Câmara Corporativa, onde os Procuradores aconselharam as modificações e formularam os reparos que conhecemos, o mais infeliz dos quais é a recomendação no sentido de rejeitar na generalidade os projectos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora cabe à Assembleia Nacional, guiada pelo laborioso trabalho Ida comissão eventual, cabe aos genuínos representantes da grei nela congregados, decidir das alterações a introduzir na Constituição. E fá-lo-ão, disso estou certo, «mão para fazer prevalecer caprichosamente uma vontade ou preservar alguma conveniência pessoal ou de grupo, imas com o intuito desinteressado de contribuir para que caminhemos para uma sociedade mais justa, em que todos tenham o lugar que lhes deve caber».

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - A sociedade que o processo histórico indicia será, em meu entender, uma sociedade constituída por homens livres, conscientes e reflectidos, uma sociedade com uma mentalidade mais de realização do que de sonhos; «mais de evolução do que de conservação; mais da diferenciação complementar do que da semelhança; mais da luta e do esforço do que da resignação; mais da promoção do que da protecção; mais da concórdia e convivência do que da uniformidade; mais da reflexão do que da adesão; mais da corresponsabilidade do que da docilidade».

Nela o cidadão poderá «manifestar o seu parecer sobre os deveres e sacrifícios que lhe impõem» e nunca «se verá obrigado a obedecer sem ter sido ouvido», isto para usar expressões lapidares de Pio XII.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, para que estes direitos plenamente se exerçam, torna-se imprescindível «pôr cada vez mais o cidadão em condições de ter opinião pessoal própria, de manifestá-la e de fazê-la valer de maneira conveniente para o bem comum».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É precisamente esta exigência que implica, no nosso país, a urgência de ampla campanha de educação, a qual, além de facultar ao português aptidões profissionais tecnicamente suficientes, versáteis e passíveis de actualização ao longo da vida, outrossim, lhe proporcione formação cívica, habilitando-o a participar capaz e responsavelmente no curso das actividades políticas nacionais, pondo de lado o imobilismo, a letargia e o conformismo a que tantos se habituaram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A capacidade e a possibilidade de criticar e corrigir honestamente os actos dos poderes públicos, de os ajudar nas grandes tarefas colectavas, só têem vantagens. Inclusive, determina o desenvolvimento harmónico do ser existencial da pessoa humana, enquanto membro de uma cidade terrena que se deseja digna e progressiva.

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Desculpe-me só agora o interromper, mas queria perguntar se V. Ex.ª é de opinião que nos últimos quarenta anos se dormiu e se esteve em estado de letargia.