em plena consciência, e não por mera solidariedade para com qualquer grupo ou tendência. Fi-lo porque entendi que era meu dever fazê-lo. E vou procurar dizer porquê. Antes, porém, quero afirmar a todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que a rejeição, pela Câmara Corporativa, do projecto de lei a que me refiro não suscitou em mim qualquer sentimento especial; direi mesmo que a esperava. Depois de uma breve análise na especialidade acabou por o rejeitar na generalidade. Considero esta atitude como de defesa, mal interpretada, dos propósitos do Governo. Mas já não posso reagir da mesma forma sobre factos passados no seio desta Câmara quando algumas das suas comissões foram solicitadas a pronunciar-se sobre a admissibilidade deste projecto à discussão no plenário. Aqui, sim, encontro razões para me lamentar, precisamente porque não vislumbro nas atitudes então assumidas qualquer intenção de dignificar a Câmara e de servir o País; pretendeu-se, apenas, uma vez mais, evitar os problemas, para não ter de os resolver.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Júlio Evangelista: - Peço desculpa de o interromper...
O Orador: - Não, não, V. Ex.ª pode estar à vontade, porque reservei vinte e cinco minutos para interrupções.
O Sr. Júlio Evangelista: - Não é para interromper V. Ex.ª, desculpe, nem para abrir conflito. Era só para interpretar bem o pensamento de V. Ex.ª
V. Ex.ª disse... Desculpe, no período que disse atrás:... lamento que nesta Câmara não se tenha... Era isso que eu queria ver aclarado. Importa-se de voltar a ler?
O Orador: - Eu leio, eu leio.
Aqui sim, encontro razões para me lamentar.
O Sr. Júlio Evangelista: - Aqui, em que ponto?
O Orador: - Aqui. Aqui, neste ponto.
O Sr. Júlio Evangelista: - Não. É no período anterior, se faz favor.
O Orador: - Com certeza.
Mas já não posso reagir da mesma forma sobre factos passados no seio desta Câmara, quando algumas das suas comissões foram solicitadas...
O Sr. Júlio Evangelista: - Pois era aí que eu queria chegar.
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Júlio Evangelista: - Desculpe, se interpretei as suas palavras, Sr. Deputado Correia da Cunha, como de alguma maneira uma censura. V. Ex.ª falou em comissões, mas, que eu saiba, nessa matéria só houve uma comissão, que todos sabemos qual é. Foi a comissão eventual, designada por despacho da Presidência da Assembleia Nacional e a que presidiu, com toda a dignidade, o Sr. Deputado Albino dos Beis.
O Orador: - V. Ex.ª desculpe, mas não apreendeu o que eu queria dizer.
O Sr. Júlio Evangelista: - Então, não apreendi. Era isso que eu queria saber.
O Orador: - Eu, quando falo em comissões, refiro-me a comissões, e não a comissão eventual.
O Sr. Júlio Evangelista: - Mas se V. Ex.ª se está a referir ao projecto n.º 6/X só pode referir-se à comissão eventual.
O Orador: - Refiro-me à admissibilidade deste projecto à discussão do plenário.
O Sr. Júlio Evangelista: - Ora, muito bem! Fiquei esclarecido, Sr. Deputado. Não tenho mais nada a dizer.
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. Sá Carneiro: - Não era necessário.
O Orador: - A consumar-se o facto, ter-se-ia demonstrado, de forma iniludível, que alguns de nós não tínhamos realmente lugar nesta Assembleia.
Meus senhores: Vou procurar reagir como simples homem da rua que procura interpretar os textos, pareceres e o que já foi dito nesta tribuna em relação com a revisão constitucional. Não poderá parecer estranho que procure interpretar por esta óptica uma sucessão de acontecimentos tão complexa porque da assume, aos olhos do cidadão comum, foros de um acontecimento do maior relevo. Trata-se, nem mais nem menos, do que rever a lei fundamental da Nação, que define o regime em que vivemos e os direitos e deveres de cada um.
Não há dúvida de que o País se encontra suspenso pelo que se tem passado neste anfiteatro. Esse facto leva-me a desejar que os canais de informação funcionem sem constrangimentos, numa tarefa de divulgação tão ampla quanto possível, transmitindo o que aqui se diz e pensa em termos de perfeito equilíbrio. Estou em crer que nem sempre isso se verifica, o que pode significar mau entendimento por parte de alguns responsáreis do que é o servir o público. Mas as possíveis razões de queixa não se limitam, infelizmente a este ponto.
O estudo atento do que se passou no decurso das últimas revisões constitucionais e do que já se disse em torno desta leva-me a duvidar que valha a pena debatermos tão profundamente os termos em que a Constituição é redigida quando é tão fácil e tão frequente desvirtuar o seu conteúdo. Isto significa que me sinto substancialmente mais preocupado com o uso que se posa fazer do diploma legal do que, propriamente, passe o exagero, com a sua substância. E esta minha dúvida é reforçada pelo que se lê algures no parecer da Câmara Corporativa: «... não há que ter medo das palavras!» O que importa, pelos vistos, é ter força para adulterar o seu sentido e agir em conformidade com os interesses do momento.
Vejamos como tem sido isto possível.
A Constituição Portuguesa, plebiscitada em 1933, consagra, como já foi dito, uma concepção democrática do poder popular. Por isso mesmo o Presidente da República e os Deputados eram, originalmente, eleitos pelo sufrágio directo dos cidadãos.
A separação dos três poderes do Estado, também prevista em 1933, nunca se verificou, na realidade, uma vez que a Assembleia Nacional permaneceu sempre largamente subordinada ao Chefe do Estado.
Dotado o Governo, a partir de 1945, de poder legislativo, de carácter não excepcional, deu-se forma a uma realidade já existente e que consistia numa concentração