As nossas preocupações incidem, muito particularmente, na circunstância de nos reconhecermos obrigados a recordar o direito que não poderá ser negado à intervenção directa de todos os representantes das próprias populações ultramarinas no estudo das referidas revisões, muito particularmente daquelas que serão feitas aos estatutos políticos uma vez que, com direito próprio, esta Câmara se pronunciará sobre as que forem propostas para a Lei orgânica. Confiamos, pois, que o Governo não deixará de proporcionar essa intervenção directa, assim praticando acto de inteira justiça.

Somos uma República unitária e corporativa (artigo 5.º e seu § 1.º), mias a verdade é que, infelizmente, em muitas parcelas do território nacional ainda não temos uma autêntica organização corporativa. Daqui resulta então uma diversidade de situações confusas, que a lei fundamental do País não contempla nem autoriza, que a ninguém aproveita e a muitos prejudica. Este hibridismo político não pod eleitos pelos referidos conselhos económicos, a verdade é que, por força de despropositadas disposições legais, essa representação, que até a coerência justifica, não se verifica.

Porquê? O absurdo, porque de um autêntico absurdo se trata, não pode perdurar e urge que, para além dos conceitos teóricos, a realidade confirme as opções efectuadas. Os princípios, para serem respeitados, têm de ter efectiva aplicação prática, e a unidade da Nação não consente, néon tolera, segregacionismos que a própria razão condena. A participação política do ultramar para ser digna, para ser válida, tem de se processar em condições absolutamente idênticas às da metrópole. O contrário, que tem resistido ao tampo e à lucidez, fere e divide. O regionalismo político não colide com os direitos inalienáveis de uma participação activa e em termos de absoluta igualdade de todos os cidadãos da Pátria Portuguesa, qualquer que seja a terra onde tenham nascido ou onde labutem.

É ainda embalado na mesma linha de raciocínio que nos recordamos do artigo 38.º, confiados que legislação apropriada seja aplicada no ultramar, para que os lídimos direitos reconhecemos no referido artigo possam, finalmente, ser usufruídos por quem de há muito os merece.

Recusamo-nos, terminantemente, a reconhecer a incapacidade do povo português para vencer as ansiedades de uma eleição presidencial, de dominar os sobressaltos das indecisões, de conservar a dignidade e defender a clarividência que garantem o respeito de uns pelos outros.

Não nos parece justo que a todo um povo que luta, sofre, labuta aplicadamente pelo engrandecimento da Pátria se possa negar o direito de, em intervenção directa, escolher o seu Chefe.

Um colégio eleitoral em que nem todos são elementos eleitos (e muitos ali surgem favorecidos por simpatias pessoais) não pode cumprir, em consciência, a tarefa sublime para que foi investido. Não, essa tarefa não pode ser de alguns; a todos pertence como responsabilidade própria, acto de consciência, expressão da vontade, cumprimento do dever. Por esta razão, porque, repetimos, acreditamos veementemente no homem português, não podemos deixar de juntar o nosso aplauso ao processo de eleição do Chefe do Estado Português por sufrágio directo.

Propagam-se afirmações considerando perigosa a autonomia controlada, pelos próprios textos legais, das províncias ultramarinas. Perigosa porquê? Afirmações desse teor não surgem nem protegidas, como seria de desejar e à evidência se requeria, por esclarecimentos que lhes dessem valor autêntico, que as tornassem merecedoras do crédito devido aos princípios lógicos. Surgem apenas com ares de dogmas apressados, reflexões produzidas por exaltados receios, simples expressão do hábito de pensar sempre d» mesma maneira. Abandonado o casulo pátrio, despojados de paixões exacerbadas, de narcisismos e petulâncias ridículas, fácil será então verificar que o mundo não é o mundo com que muitos a inda sonham.

Ao adoptarem-se, pois, as soluções que a inteligência aponta como as mais válidas para o momento actual, não se praticam transigências com qualquer moda ditada do exterior. Cumpre-se apenas o dever de ser lúcido e corajoso. Ninguém se lembrará certamente de invocar idênticos argumentos quando se aja no domínio das ciências físicas ou sociais ou humanísticas. Porque especular, pois, e apenas, no domínio das ciências políticas? O País não é, nem pode ser, de uma elite favorecida, e só através de uma sincera actualização dos sistemas se poderão colher as vantagens do diálogo com o pensamento novo.

Mal iria a Nação, e sacrificado estaria, indubitavelmente, o seu destino, se a garantir a sua unidade apenas existissem os textos ou a tradição.

Pensar assim é ultrajar imerecidamente quem tem demonstrado, à sociedade, que acredita em que as razões espirituais que nos unem, resistindo ao tempo e aos delírios, se sobrepõem e dominam todos os valores materiais e todos os contextos jurídicos.

Haverá alguém que, honestamente, ainda acredite que uma sociedade, qualquer que ela seja, pode resistir às causas internas e externas que constantemente a corroem se não se defender, protegendo e aperfeiçoando as suas características próprias resultantes da forma de pensar e da vontade dos homens que a constituem - forma de pensar e de vontade caldeadas no meio físico em que vivem? É, pois, trilhando esta linha de pensamento que repudiamos, com veemência, os temores mal escondidos por detrás de insinuações que não toleramos.

A autonomia das províncias ultramarinas, referida no artigo 135.º e limitada no artigo 136.º, e, por conseguinte, dirigida pelos próprios textos, surge, pois, como a concretização de uma realidade que não pode deixar de ser reconhecida.

Infelizmente, porém, acrescente-se, a autonomia não é apenas um problema de textos. É também, e muito principalmente, um problema de homens, de homens de coragem. Na nossa tradição política os textos sempre existiram, mais ou menos pormenorizados, mais ou menos realistas, sem que, contudo, infelizmente, tivessem merecido a aceitação disciplinada dos homens. Por isso os erros se acumularam e deles se guarda hoje triste memória. Confiamos, porém, que a clarividência a todos atinja e que daí resulte o reconhecimento da vantagem que advém do respeito pelos princípios que, para bem de todos, importa proteger.