um novo ordenamento global da vida colectiva, impõe, como premissa irrecusável, a aceitação de princípio do desacordo fundamental entre a essência do regime político, as suas traves mestras, e os fundamentos ético-políticos em que o grupo nacional assenta».

Os limites, as balizas do campo em que a Assembleia se pode mover, já por imperativo do texto constitucional, já por exigência dos princípios que promanam dos ideais e linhas de força, no desenvolvimento das quais, ao longo dos séculos, se tem processado o nosso estilo de vida colectiva, o peculiar modo de estar no mundo da comunidade nacional, ou, por outras palavras, se tem revelado a sua vocação histórica, poderão, esses limites, até nem estar inscritos na letra da Constituição. Mas estão inscritos no seu espírito, e no mais profundo da alma do povo, que, através do seu apurado e comprovado instinto político, os conhece e vive ate às últimas consequências, até ao ponto de verter o seu sangue por eles.

Não se trata, Sr. Presidente, de expressões vazias de sentido, de concepções circunstanciais e ultrapassadas, de jogo de palavras sem correspondência à realidade. Não. Ensina-nos a história, desde os primórdios da nacionalidade até aos nossos dias, estes que vivemos e em que tomamos parte e prolongamos e construímos a história, que não se trata de palavras vãs ou de construções individuais mais ou menos românticas. Quando se põem em causa os valores fundamentais em que assenta o seu viver, o seu ser, a Nação levanta-se e faz ecoar una voce o vigoroso noli me tanger e de todos os tempos.

É uma constante, uma realidade comprovada, realidade mais real do que os próprios textos em que se exprime. Se alguém se esquecesse desta hierarquia de valores, não cometeria apenas um erro grave.

Quanto à, proposta do Governo, declara a comissão eventual que ela é oportuna, são vantajosos os novos princípios legais e se enquadra no contexto da Constituição.

For seu turno, a Câmara Corporativa afirma o mesmo, por outras e estas palavras:

A presente proposta pretende ver consagrada na Constituição, ao lado de uma multiplicidade de alterações de alcance menor, fruto predominante de uma preocupação de perfeição técnica, de um propósito de outorgar competências flexíveis ao legislador ordinário, de coerência sistemática ou de simples actualização, um certo número de modificações mais ou menos significativas, tanto no plano dos valores e opções políticas fundamentais como, igualmente, no da ordenação da vida estadual.

De entre todas as propostas de revisão constitucional até hoje submetidas à consideração da Assembleia Nacional, é a presente a que pretende consagrar maior número de inovações de tomo.

E, depois de enunciar as que considera mais significativas, a apontar no final piara a referente à situação constitucional das províncias ultramarinas, acrescenta:

Trata-se de inovações certamente, mas não de algo que, de alguma maneira e sob qualquer aspecto, constitua uma destruição da Constituição plebiscitada em 1933 e uma solicitação ou apelo a que a Assembleia Nacional, na presente oportunidade, subverta as bases constitucionais do Estado Português ou altere o seu regime: trata-se de algo cuja aprovação deixará intacta a lei fundamental no que ela tem de mais característico e identificante.

Será efectivamente assim?

Não pretendo debruçar-me sobre cada um dos pontos salientados nos pareceres, tanto da Câmara Corporativa como da comissão eventual.

Há que ver, porém, se o mesmo juízo posso manter em relação às inovações que a proposta apresenta para o regime jurídico das províncias ultramarinas.

Sr. Presidente: Procurei meditar profundamente sobre o problema. Recordei as palavras de Salazar transcritas no parecer da Câmara Corporativa:

participação das gentes e dos interesses sociais ultramarinos na definição do direito relativo àquelas matérias que não são reserva do Estado não é, salvo melhor parecer, abrir as portas ao desmembramento deste e à consequente ruína da unidade nacional: é promover, nos nossos tempos, esta unidade na única forma em que ela pode e em que ela, portanto, deve ser mantida.

Estou totalmente de acordo com estas palavras.

Não haja ilusões! Mais do que o receio das palavras, ponto de vista compreensível para quem viva a preocupação de fazer adequar rigorosamente a linguagem à realidade que se pretenda exprimir, é necessário ter em maior consideração ainda a própria realidade. Já porque é um problema de todos os tempos, já porque se agudiza nos que vivemos a realidade de um apreço muito vivo pelo valor da liberdade do homem, como pessoa física ou como pessoa colectiva, impõe-se que o Poder a limite e condicione apenas no estritamente indispensável à defesa e prossecução do bem comum.

Esta consideração, de ordem geral, vale inteiramente, para o problema das relações das províncias ultramarinas entre si e com o chamado Poder Central, em que o homem comum tem a sua primeira expressão na solidariedade entre todas as parcelas do território nacional e no imperativo indiscutível, da unidade e incindibilidade da Nação, da unidade e incindibilidade do Estado.

Pois bem, conforme o parecer acentua, «a proposta institui ou prevê todo um sistema de frenagem de tendências centrífugas que porventura se gerassem, sistema praticamente idêntico ao já hoje existente, o qual se destina a funcionar tanto em relação ao legislador local como à própria administração e função executiva de cada território».