E anoto desde já que na Constituição Espanhola de 1931 havia um colégio, mas constituído pelas Cortes e por um número de eleitores de segundo grau igual ao número de membros das Cortes, mas eleitos por sufrágio directo. Nem se fale também da Constituição Italiana de 1947, da Constituição Francesa de 1958 ou da actual Constituição Alemã ou do colégio eleitoral americano.

Não há qualquer semelhança, nem na dimensão, nem na representatividade, nem no processo de designação dos membros do colégio.

Nem entre o regime português, sem partidos políticos, e qualquer dos exemplos apontados.

9. Concluo já. É que eu entendo que, quando se fala de homens, e são os homens que estão em causa, não é possível confundi-los com pediras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Integrados nos grupos, não perdem a qualidade nem a eminente dignidade.

Não há parcelas de homem. Reduzir a possibilidade de actuação política de cada pessoa ao seu enquadramento num grupo é negar a sua unidade, é admitir que a sua consciência e a sua liberdade estão repartidas e limitadas por tantos pontos de vista quantos os dos grupos em que se integra, é conceder que o homem é totalmente condicionado no seu pensamento e agir pelo grupo em que se insere.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu só pedia um esclarecimento para poder seguir o raciocínio de V. Ex.ª E é este: V. Ex.ª diz, se bem entendi, que a própria unidade da pessoa exige que ela, por assim dizer, consiga ultrapassar o seu múltiplo enquadramento, a sua expressão num múltiplo enquadramento, nos diversos grupos de interesseis em que participa. É isto?

O Orador: - Exacto.

O Sr. Almeida Garrett: - Se é assim, eu queria pedir a V. Ex.ª o seguinte esclarecimento: entende V. Ex.ª que, por esse facto, a multiplicidade de participação que um indivíduo tem em todos os grupos de interesses em que

é chamado a viver...

O Orador: - E que não anula os seus grupos...

O Sr. Almeida Garrett: - ... por sua própria natureza, faz com que a única saída para a expressão da sua personalidade seja a expressão puramente individual?

O Orador: - Não.

O Sr. Almeida Garrett: - Muito obrigado.

Creio que é, também, tratar os homens como pedras e só reconhecer valor aos edifícios.

O que vale é que os «edifícios se esboroam sem as pedras». Não fui eu quem tirou a conclusão...

E a culpa não é da Constituição.

Vozes: - Muito bem!

(Risos.)

O Orador: - 10. Termino. Descobri que, na tese exposta, os municípios votam como tais e por via da Câmara Corporativa. Eu, como indivíduo, chefe de família, advogado e deputado. O que quer dizer que os portugueses que são só indivíduos e chefes de família votam menos que eu.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Garrett: - Desculpe-me, mas nesse ponto é que me permito discordar de V. Ex.ª

O Orador: - Com todo o direito.

O Sr. Almeida Garrett: - Com todo o respeito e que a tolerância mútua dá.

O Orador: - Muito obrigado.

O Sr. Almeida Garrett: - Ora, a expressão múltipla da personalidade humana não pode de maneira nenhuma permitir a V. Ex.ª a conclusão de uma restrição.

O indivíduo que participa em menos grupos, é evidente que ao votar - como V. Ex.ª diz -, não sei se a expressão está inteiramente correcta...

O Orador: - O que eu estava a reagir era à excessiva ampliação...

O Sr. Almeida Garrett: - Não, mas nem ganha, nem perde, porque, em qualquer dos casos, o que o voto exprime é a sua personalidade nesse campo. Se ele participa em mais grupos, pois a sua personalidade passa a ser, pura e simplesmente, expressa pelos grupos em que participa.

Se ele é exclusivamente chefe de família, suponhamos, e se fosse possível, é evidente que aí havia, na mesma, a participação adequada pela expressão da sua personalidade; se ele participa em mais grupos, não vota nem mais, nem menos. O que se exprime é por mais grupos.

O Orador: - Vem a dar na mesma. Eu diria até, que para clarificar o nosso pensamento oculto e para lhe tirar um pouco de colorido poderíamos até raciocinar em termos de direito comercial.

O Sr. Almeida Garrett: - E uma coisa que não sei nada.

O Orador: - Mas o exemplo é perfeitamente elementar. Aí, um accionista de uma sociedade anónima pode participar na assembleia geral como accionista a título individual e ao mesmo tempo estar representado, porque é accionista de uma outra sociedade, por hipótese, que também é accionista desta, cuja assembleia geral se manifesta, e, portanto, está também aí representado.

Eu julgo que nesse caso, que é muito paralelo, mas que oferece a vantagem de ser mais neutro, o indivíduo tem o seu voto pessoal e tem mais um voto ou mais uma parcela de voto correspondente a um seu interesse nesse outro sector.

Ora, eu julgo que, quando passamos do campo do puramente económico para o campo político, é a pessoa totalmente que conta.