E, quando ela se manifestou como tal, não foi capaz de cindir os seus vários interesses. Todos eles estavam presentes e coincidentes na sua única forma, na sua única qualidade e dignidade e unidade da pessoa. Quer dizer: quando V. Ex.ª, quando eu votamos, votamos com tudo quanto somos. Votamos com a nossa qualidade pessoal, com os estudos e os trabalhos que fizemos, com a família e o pensar em que nos integramos.

Quando votamos por nós, votamos já com tudo isso.

O Sr. Almeida Garrett: - Mas isso corresponde, precisamente, à afirmação de V. Ex.ª que considera perfeitamente ilegítima toda e qualquer representação que não seja a representação puramente pessoal?

O Sr. Sá Carneiro: - Pessoal sim, mas individual não.

É diferente.

O Sr. Pinto Machado: - É radicalmente diferente!

O Orador: É radicalmente diferente, o pessoal do individual.

O Sr. Almeida Garrett: - O voto pessoal, como eu entendi, é o voto que exprime toda a personalidade.

O Orador: - A concepção do voto individual, alargado e ampliado dos vários interesses, era a de V. Ex.ª, não a minha.

O Sr. Almeida Garrett: - Não, está completamente enganado.

V. Ex.ª, então, desculpe, mas lamento que não me tenha feito compreender.

O Orador: - O defeito deve ter sido meu.

O Sr. Almeida Garrett: - A expressão de pessoa, através de todas as suas participações, essa é que dava a possiblidade de expressão pessoal. O resto, que estava em causa, era a expressão pessoal, como monopólio de um voto individual.

O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Sá Carneiro: - Eu queria dizer, em primeiro lugar, que lamento muito que tenha suprimido parte do discurso e por isso não o apoiei há bocado quando dizia que fomos todos beneficiados.

Em segundo lugar, quanto a este ponto concreto, o Sr. Deputado Magalhães Mota distinguiu apenas os vários interesses acumulados na mesma pessoa e deu um exemplo pertinente e concreto.

Mas há mais do que isso. Há a desigualdade perante o voto. Vejamos o chefe de família.

O chefe de família vota na eleição dos representantes dos chamados elementos estruturais e vota na eleição dos Deputados. Mas a mulher do chefe de família só vota na eleição dos Deputados.

O Orador: - Exacto.

O Sr. Sá Carneiro: - Os filhos maiores dos chefes de família só votam na eleição dos Deputados.

O Orador: - É exacto.

O Sr. Sá Carneiro: - Mas há mais. Eu pasmo quando me dizem que este modo de eleição é a cúpula do corporativismo; e pergunto: a cúpula do corporativismo? E o ultramar? Acaso estará completada a organização corporativa no ultramar?

Como pode ser cúpula, pois, de uma pequena parcela do território nacional? Era isto que queria deixar em apontamento. Muito obrigado.

O Sr. Barreto de Lara: - Inteiramente exacto!

O Orador: - Quero finalmente acrescentar que também não aceito o dilema posto pelo Dr. Homem de Melo no que se refere à posição a adoptar perante o parecer da Câmara Corporativa de 1951 de que foi relator o Prof. Marcelo Caetano. Estou à vontade para o fazer: primeiro, por no plenário não ter citado o parecer em causa; segundo, por ser já suficientemente conhecida a minha opinião sobre esse texto.

Considero-o um notabilíssimo estudo, que põe a questão em termos para mim decisivos.

Precisamente por isso não aceito como possível uma mudança de opinião no campo dos princípios. Confirma-o, para mim, aliás, a apresentação da proposta do Governo, justificada em puros termos políticos, de oportunidade.

Também não aceito fazer a discussão em termos de autoridade: tenho a mais profunda admiração e respeito pelo valor intelectual do parecer em causa. Mas se o usasse seria tão-sòmente para ajudar as minhas, pobres mas minhas, argumentações.

Sr. Presidente: Por acaso li ontem o Livro de Leitura da Terceira Classe2, por onde minha filha mais velha vai aprender.

(Risos.)

O modelo cívico das nossas crianças vota sempre, até para a eleição do Presidente da República.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse.

(Risos.)

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Dois Srs. Deputados que se haviam inscrito para falar, e que eu contava o fizessem nesta sessão, não puderam executar os seus propósitos. Vou, pois, encerrar já a sessão. A próxima será esta tarde, à hora regimental, tendo a mesma ordem do dia.

Eram 12 horas e 40 minutos.