desencadeando, por vezes, a reacção que toca a violência, por um fanatismo a que não lhe foi possível pôr freio, porque não lhe opôs a ponderação que se impõe levando-o à compreensão do fenómeno e a uma necessária tolerância espiritual.

E neste estado de espírito que procurarei apreciar os poucos aspectos que ressaltam a uma primeira análise. E começarei por me perguntar: há vantagem na apresentação e estudo de um diploma sobre liberdade religiosa?

Pela leitura e estudo não só do preâmbulo da proposta apresentada, como também do parecer da Câmara Corporativa, creio que sim. E mais, pela análise das referências e citações feitas, verifica-se que, muito embora a liberdade religiosa seja entre nós um facto, e não sendo possível assacar-nos a menor parcela de intolerância, tornava-se necessário ordenar o que se encontrava disperso, legalizar o que estava sómente no uso corrente, prever a aceitação de outras confissões, permitindo a expressão de outras verdades. após dia se agiganta uma onda de materialismo que tende a submergir os valores espirituais. Os extraordinários progressos técnicos e científicos verificados a partir da 2.ª Guerra Mundial permitiram a implantação de uma vida em que aparece como preocupação predominante o desejo de rapidamente vir a usufruir as facilidades que nasceram dessa evolução e secundariamente a procura de uma vida em que se multiplicam os períodos de lazer, trilhando os caminhos, pavimentados por valores materiais, que conduzem à finalidade desejada; desprezam-se os valores morais e espirituais, esquecendo tudo aquilo que colocou o homem no topo da escala zoológica, acima dos outros animais, os únicos valores que consideramos imprescindíveis para aproximar a perfeição.

Nesta cruzada de novo estilo todos são poucos, e, desde que haja uma mútua compreensão, só benefício advirá na conjugação de esforços para superar aquilo que não quero ainda considerar como uma mudança da mentalidade do homem, mas, quando muito, uma paragem, sob o ponto de vista social na sua evolução espiritual.

Neste contexto geral de um mundo, quero olhar o problema em Portugal, e atrevo-me a fazer uma segunda pergunta, se não será esta a oportunidade de realizar algo de concreto, algo que possa levar a tantos irmãos de outras confissões, que se agrupam sob a bandeira de Portugal, a certeza de que como tal os devemos considerar, abraçando-os e respeitando-os, independentemente do credo professado. Não me parece aceitável que no momento que atravessamos não demos uns a outros a certeza desse respeito mútuo.

Tudo o que tenho procurado exprimir não é um problema da igreja católica, se analisarmos sómente os factos à luz das relações Estado-Igreja, mas é um seu problema íntimo, um problema íntimo de todos aqueles que a seguem, problema perante a existência de outras religiões e de crentes de outras fés.

Poucas palavras mais para referir, o que estou certo está no espírito de todos, aquilo que no meu se agita e à noção para mim incontestável de uma verdade, da minha verdade; em mim se debateram nestas últimas décadas algumas dúvidas que era natural nascessem de uma análise íntima, procurei as respostas de que sentia necessidade e sempre elas foram de molde a reforçar essa verdade. Mas admito, admito em absoluto, que para outros outra seja a verdade a que vão buscar a fé, que os orientará na busca de um alvo ideal, alvo que será muito naturalmente o mesmo, mas que para o aproximar outras sendas se possam trilhar.

É a abertura para a luz do Sol dessas sendas o que na generalidade se pretende atingir, e é neste espírito que conscientemente e com entusiasmo dou o meu voto ao projecto apresentado para estudo.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Prabacor Rau: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei sobre a liberdade religiosa vai ser discutida e votada nesta Assembleia. Dado que a Câmara Corporativa sobre ela emitiu já o seu douto parecer, e eu fiz parte como elemento modesto da comissão eventual constituída para proceder ao estudo preparatório da discussão no plenário dessa proposta de lei, quase me parece descabido a mim mesmo pronunciar-me agora sobre tão importante documento da vida nacional.

Seria azado da minha parte ouvir sómente os conceitos profundos e filosóficos, as análises jurídicas e dissecação científica, os pensamentos fulgurantes e as considerações inteligentes que VV. Ex.ªs, por certo, vão fazer.

Mas, neste meu sem jeito, peço licença para dizer umas breves, mas mesmo breves, palavras, nas quais, antes de mais, quero testemunhar ao Exmo. Deputado Conselheiro Miguel Bastos o meu apreço pela sua acção como relator da comissão eventual, e ao Exmo. Presidente da mesma comissão, Exmo. Deputado Dr. Almeida Cotta, pela maneira equilibrada, inteligente e sóbria como dirigiu os debates, às vezes acalorados, sobre as matérias versadas na presente proposta de lei.

Sou de uma terra distante, Índia Portuguesa se chama ainda, que, muito embora sob o domínio do opressor estrangeiro, sempre Índia Portuguesa há-de ser.

Sou de uma terra que foi ocupada por forças invasoras, que nos usurparam a terra e os lares, mas que não nos puderam roubar a crença, a fé e a religião.

Sou de uma terra onde nunca a população católica esteve em maioria e que no passado como no presente jamais quis deixar de ser portuguesa.

Na história da minha terra, onde avulta a figura de Afonso de Albuquerque e onde jazem as relíquias sagradas de S. Francisco Xavier, sempre houve uma pluralidade de religiões, numa unidade perfeita, indiscutível e indissolúvel à bandeira portuguesa.

Goa, Damão e Diu sempre foram as regiões ultramarinas de Portugal que no domínio da civilização caminharam à frente das demais, e tempos houve que om-