expresso na eliminação de qualquer coacção sobre o pensamento ou a acção dos homens em matéria de religião.

Ela reveste ainda um sentido marcadamente positivo, inspirado no valor social do fenómeno religioso, que obriga o Estado, embora de modo indirecto, a criar condições propícias ao seu livre exercício.

Debrucemo-nos sobre algumas das bases da proposta de lei:

Observa-se logo de começo na base I que, pertinentemente, o objecto da liberdade religiosa é a pessoa (e não o indivíduo, nem o cidadão). No n.º 2 da base II, o Governo, contra a opinião da Câmara Corporativa, depois de afirmar que as confissões religiosas têm direito a igual tratamento, mantém a frase do projecto primitivo: «... ressalvadas as diferenças impostas pela sua diversa representatividade».

A redacção deste n.º 2 da base II não parece muito feliz. Em vez de igualdade de tratamento, pareceria melhor referir «a liberdade religiosa semelhante».

Quanto à representatividade, no que se refere à igreja católica e à Concordata, outras bases contemplam o seu caso.

Admito, todavia, que se pense, ao redigir esta base, tal como está, em situações ultramarinas que venham a concretizar-se, como, por exemplo, o caso da religião islâmica na Guiné.

O n.º 1 da base VI parece-me demasiado simplista. Há cerimónias militares ou cívicas, sobretudo de natureza comemorativa, onde a presença passiva dos componentes é indispensável, mesmo quando nelas se integra uma parte, pequena embora, de natureza religiosa. É o caso de paradas, de funerais católicos de militares, etc.

O n.º 3 da base VII subiu para 18 anos a idade, que era de 16 no projecto primitivo, para que o aluno possa por si próprio, e não por intermédio dos pais, pedir isenção do ensino de moral e religião.

Em grau menor, continuam atingidos os direitos da família.

Não vejo razão para que esta disposição se não localize nos adultos e emancipados. Há nas escolas técnicas de nível secundário número apreciável de alunos entre os 18 e 21 anos.

Em relação ao n.º 4 desta base a minha discordância é maior ainda, até porque a disposição, tal como vem redigida, está anais ou menos em divergência com a Concordata. Deveria aqui usar-se uma redacção paralela à do n.º 2 da mesma base, isto é: a isenção do e nsino religioso e da moral ficar circunscrita aos que declarassem espontaneamente que a desejavam, quer dizer, perante a isenção a que se quis tomar uma atitude ostensiva.

Cito ainda o Dr. António Leite num artigo da Brotéria:

Todos sabem como a lei da inércia ou do menor esforço joga nestas circunstâncias. Um exemplo elucidativo: até ao novo Código Civil, cerca de 98 por cento dos portugueses casavam em regime de comunhão geral de bens, por ser esse o «costume do Reino», ou seja, o regime supletório. O novo Código estabeleceu como regime supletório o de comunhão de adquiridos. O resultado foi que quase se inverteram os números: em 1969 menos de 11 por cento de casais escolheram a comunhão geral de bens! E, evidentemente, não foi por em tão pouco tempo se terem modificado os costumes; a causa deve procurar-se na nova lei na inércia.

Não temos dúvidas de que, no caso presente, sucederia quase o mesmo. Se agora são relativamente raros os pais que pedem isenção das aulas de Religião e Moral do ensino público, ao adoptar-se o sistema preconizado no projecto governamental seriam certamente poucos os que pediriam positivamente tais aulas para os filhos. Não certamente porque elas lhes desagradassem; mas por inércia, por preferirem não sobrecarregar os filhos com mais aulas, etc. Conhecedora destas realidades, a Igreja, na Concordata, procurou assegurar que os pais católicos - e segundo as estatísticas cerca de 98 por cento afirmam sê-lo em Portugal - cumprissem o dever de procurar que os filhos recebam educação cristã.

No n.º 5 desta base circunscreve-se aos estabelecimentos pertencentes a entidades, religiosas o direito no ensino obrigatório da sua religião. O Dr. António Leite, na revista já citada, acentua que este direito devia ser atribuído a qualquer dos estabelecimentos particulares que desejem pô-lo como condição de inscrição dos alunos. Sou de opinião que o texto deste n.º 5 deve ser modificado no sentido indicado.

Quer dizer: se há um colégio que não é de uma congregação, mas de um católico que entende que só lá devem entrar crianças cujos pais queiram educação religiosa:, este homem não pode pôr essa questão, porque é ilegal se a proposta de lei em discussão for aprovada integralmente.

Há em vários pontos do País, descontentamento quanto ao modo como são professadas as aulas de Moral nos estabelecimentos oficiais de nível secundário, senão de aconselhar uma revisão neste sector, pelas entidades responsáveis.

O n.º 1 da base VIII é perfeitamente enquadrável no s ensinamentos conciliares que citei - limites de liberdade religiosa, em relação à ordem pública, e utilização da liberdade religiosa como pretexto para objectivos diferentes.

Quanto à base IX, n.º 2, parece-me que devia ter redacção menos simplista.

Um grupo menos numeroso do que 500 fiéis pertencentes a uma religião com projecção internacional (é o caso do Islamlismo) poderia ser reconhecida na metrópole. Por outro lado, e em hipótese, 500 adeptos será número insuficiente para qualquer religião nova que qualquer apóstolo, tendo em volta 500 pessoas, pretenda criar no País.

Lamento também que nesta (ou noutra) base da proposta da lei se não contemplasse a sugestão do Episcopado da metrópole na sua declaração já citada de 5 de Novembro de 1970:

Parece, todavia, indispensável que não só na menção do nome, como está previsto, mais igualmente na forma dos templos ou na divulgação da doutrina, se acautele tudo o que possa prestar-se a confusões com outras confissões religiosas, ainda mais, todo o género de actos que possam saber a coacção ou a persuasão desonesta ou menos recta, principalmente quando se trata de pessoas rudes ou necessitadas.

Acrescento, com a maior cordialidade, que os nomes das confissões religiosas não deveriam prestar-se a confusões por parte do público em relação às já existentes, e que os templos não católicos deveriam ter sempre à entrada indicação precisa de qual a comunidade religiosa a que pertencem.