grato me é registar, é qual, dado o multifarismo da formação dos Deputados intervenientes, facilitou a tarefa comum, todos interessados num «acertar de passo» que melhor servisse os interesses e direitos em jogo. Tudo o que, sobre o demais, foi facilitado pela inteligente presidência do nosso ilustre colega Almeida Cotta, sempre «apenas um entre os outros» no evidenciado propósito de concorrer para as soluções equilibradas nas divergências de entendimento que não poderiam deixar de ter surgido, e que, livremente, ao abrigo do tão apregoado e defendido espírito democrático, nada obsta a que na discussão em curso se mantenham; inconformados os vencidos - e eu fui um deles - com o voto de uma comissão restrita que as propostas de alteração podem vir a modificar num ou noutro ponto em que o seu recurso se justifique. É o arrimo legítimo dos que andam empenhados nestas lides parlamentares que têm os seus caminhos e cujo trilho não pode ser evitado com amuos, muito menos com ostensivas posições de nítido ultraje ao «sagrado princípio do voto» dentro desta Casa a presidir irrecusavelmente às deliberações sobre as matérias que nos são propostas.

Sr. Presidente: Vinte foram as bases sujeitas à discussão, muito facilitada, como já o frisei, pelo cuidadoso estudo da Câmara Corporativa, todo dominado pela preocupação de dar resposta aos anseios da grande massa religiosa do País, anseios que não tivemos dificuldade em reconhecer, para que, sem subordinação aos princípios de cada um de nós, todos pudessem livremente entregar-se às práticas dos diferentes cultos com que julgam melhor servir a Deus. Por assim o entender, o próprio Governo, dado o parecer da referida Câmara, não teve dificuldades em transformar o projecto de proposta n.º 6/X na proposta de lei cujo texto, renovado, mandou inserir no Diário das Sessões de 2 de Junho de 1971, sobre que incidiu o nosso trabalho e que foi objecto de larga controvérsia, em que todos livremente expendemos as nossas opiniões, aqui e além divergentes quanto ao espírito ou quanto à forma, de qualquer modo unânimes no essencial que importava garantir. Quique suum.

Quanto a mim e a alguns dos colegas presentes, o problema maior levantou-se logo de início, aquando da discussão da base II, o qual me coube a iniciativa de levantar - na adopção da doutrina da Câmara Corporativa, como seguidamente mo fariam notar -, no tocante à declaração de princípio nela contida no sentido de expressamente ficar afirmado que «o Estado não professa qualquer religião».

Ora, aqui, como na comissão eventual, quero deixar consignada a minha desaprovação contra uma afirmação que acho de todo desnecessária, agressiva mesmo, se me dispusesse a considerar o Estado a que respeita como a emanação que é de uma Nação em cuja lei fundamental se reconhece ser a religião católica a religião tradicional da Nação Portuguesa. Mas não quero embrenhar-me numa justificação que, com tal ponto de partida, demasiado longe me levaria, sobretudo porque poderia deixar no espírito de alguns a impressão de que não tenho o raciocínio suficientemente desembaraçado para me pronunciar com isenção. Até porque me sobejam os argumentos para, partindo apenas daquela afirmação, defender o meu ponto de vista, talvez de maneira igualmente válida, com base na simples incrongruência que resulta, já que suficiente era dizer-se que «o Estado, em matéria de religião, mantém o regime da separação com as diferentes confissões religiosas».

Assim, tout court, no uso de uma redacção igualmente respeitosa para «todos» os credos e na ignorância mesmo do princípio constitucional que se legitimou num reconhecimento devido como satisfação à maioria católica nacional; de qualquer modo, considerando todos, aquela sim a única forma de tomar posição na matéria, ou, o que será melhor, de «não tomar posição alguma» como modo de a nenhuns molestar.

Aliás, não nos seria difícil defender o princípio de que o Estado é uma abstracção, que, no conjunto de poderes que lhe dão substância, se encontra desprovido de possibilidades para professar ou não uma religião que é consequência de um «estado de alma» apenas possível nas pessoas isoladamente consideradas. Pois o Estado, como sociedade politicamente organizada que é, integrador dos poderes que lhe dão conteúdo e respeitam igualmente a todos, não tem de «professar religiões» ou «não professar». Tem apenas de se manter alheio a todas na adopção do regime de separação que sempre bastou e bastará. Esta a minha opinião.

Votei, assim, na comissão eventual, contra a redacção do n.º 1 da base II da proposta de lei, que igualmente reprovo nesta discussão na generalidade, sem me dispensar de apresentar uma proposta de alteração no sentido exposto e no momento oportuno, a fim de que este plenário decida, no sentido mais consentâneo, isto com a declaração expressa de que acatarei «sem me retirar» - inconformado ou não, pouco imp orta -, o veridicto que democràticamente lograr vencimento.

Evidentemente que muitos outros pontos haveria sobre que desejava deter-me, pois reputo de altíssima importância a proposta em discussão; de muito mais importância do que aquela que alguns lhe atribuem, levianamente, aliás, pois se não considerar o quanto o seu conteúdo se reflecte numa opinião pública cujos sentimentos de religiosidade não convirá desprezar, e não só aqueles, avançarei que mesmo e sobretudo a peculiaridade da Fé mais generalizadamente arreigada na consciência colectiva nacional. Carecido de tempo - a falta de tempo foi a nota predominante no estudo desta proposta de lei - guardar-me-ei para a discussão na especialidade, em que todos nos entreajudaremos na procura das soluções melhores. Entretanto, não recusarei o meu voto na generalidade à proposta de lei em discussão.

Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

basilar da proposta é a de salvaguardar todas as disposições vigentes e respeitantes à religião católica contidas na Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em 7 de Maio de 1940, devidamente ratificada.