quica vão-se persuadindo da vantagem de se tornarem completamente independentes do Estado e das suas tentações.

Os grandes acontecimentos que foram o Concílio Vaticano II, a obra e a pessoa do Papa João XXIII, os movimentos renovadores a que deram origem ou impulso começam a transformar a fisionomia tradicional da Igreja e do catolicismo, libertando-os das cadeias douradas que por vezes os amarraram ao mundo e aos poderosos.

É verdade que a marcha renovadora está no principie e que o caminho a percorrer é bem penoso, porque as velhas instituições resistem obstinadamente à mudança, mas o essencial foram os primeiros passos, e eles estão dados.

Em resumo, podemos talvez concluir que as transformações do mundo e as modificações da Igreja alteraram a situação da Igreja em Portugal relativamente às outras religiões e ao Estado.

A Igreja já não sente a liberdade religiosa como uma ameaça à sua coesão interna e à unidade da fé, nem reputa necessária para exercer o seu ministério a protecção ou o apoio que o Estado tradicionalmente lhe prestava.

Decerto há quem lamente uma coisa e outra, o que bem se compreende porque não é de um dia para o outro que as pessoas entendem os sinais dos tempos. Ainda há muito quem suspire pela restauração do bloco histórico, como sendo o testemunho e a salvaguarda da fé e da unidade nacional.

A Igreja não pode ser o sustentáculo da unidade nacional; o pluralismo de crenças que a lei da liberdade religiosa consagrará desobriga o Estado de pesados compromissos de ordem confessional que podiam ter sido úteis noutras eras, mas hoje em dia são inconciliáveis com o Estado aberto à modernidade e, assim o esperamos, à democracia.

Esta situação, para a Igreja, traduz-se na diminuição de poderio, coisa vantajosa para a sua missão apostólica, porque suprime grande parte das dificuldades, antíteses e contradições a que a ligação histórica com o Estado a vinculavam.

As dissenções do poder político com a religião são inevitáveis, porque o poder nem sempre respeita a moral da fraternidade e, frequentemente, contraria o da liberdade. É por isso que o princípio universalista da religião cristã não se harmoniza facilmente com as particularidades da acção política.

A liberdade religiosa tem duas faces, uma respeita à igualdade de direitos dos diversos credos. Acabámos de ver que a aprovação da lei não levanta dúvidas nem dificuldades na opinião pública, pela singela razão de que a liberdade religiosa já está estabelecida nos factos sociais e nas consciências. Isto corresponde ao espírito do tempo presente.

A outra face da liberdade religiosa é menos falada, mas mais importante; vem a ser a liberdade de propagar a doutrina, o credo, a fé. Se essa faculdade não está garantida, pode falar-se em liberdade religiosa? Considerada por este ângulo a proposta de lei, deixa a consciência do ciente ilaqueada por limitações radicais à expansão da verdade que professa.

Como pod e a Igreja ser livre num Estado que coarcta a liberdade de pensamento e de expressão?

Dir-se-á que a lei concede liberdade para as manifestações específicas da religião, mas isso não chega, porque é equívoco.

A religião não consiste sómente em actos de culto e de piedade - é uma concepção universal do homem, da natureza e da história. É uma resposta às interpelações da vida presente e futura, nos seus aspectos fundamentais. A religião dá sentido, significação, valor ao homem e ao mundo; os evangelhos são o modelo e o guia. Considerar o facto religioso circunscrito ao templo e ao cemitério é amputá-lo. É conceber a religião como um ritual confinado.

Hoje, como sempre, o credo religioso tem de impregnar todos os actos da vida humana, familiares, profissionais, sociais, políticos, etc. O crente tem de viver as consequências da sua fé. Para tanto pode entrar em discordância, ou até em conflito, com os valores geralmente admitidos ou impostos. Onde começa e onde ter mina a actividade especificamente religiosa?

Em nome da fé que o crente professa pode ser levado a defender, por exemplo, a Liberdade de imprensa, a Liberdade sindical, a protestar contra os abusos da autoridade, a fazer a crítica das instituições, a defender o fraco, o oprimido e os grupos minoritários.

Se o Estado lhe nega estas liberdades, a liberdade religiosa não existe.

Assim, o próprio sistema sócio-político pode impedir a afirmação da doutrina, isto é, a proclamação das verdades da fé.

Aqui está a minha objecção à proposta de lei, mas compreendo que este ponto não deveria ser considerado no documento, porque depende da posição que o Poder Público tomar com respeito às liberdades, garantias e direitos individuais, de que a Liberdade de expressão da doutrina religiosa é um simples corolário.

Uma nobre figura da Igreja, D. António, bispo do Porto, disse há dias: «Não há possibilidade de religião sem liberdade.»

Com estas palavras autorizadas fech o a intervenção.

Tenho dito.

O Sr. Joaquim Macedo: - Apoiado!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pedro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a breve apreciação que me proponho fazer sobre a matéria marcada para a ordem do dia, permitam-me VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que aproveite a feliz oportunidade que se me oferece de estar no uso da palavra para, desta tribuna, dirigir ao Governo e ao País uma calorosa e sentida palavra de reconhecimento e de felicitações pela recente aprovação do Estatuto Legal da Universidade Católica Portuguesa, decidida em Conselho de Ministros do passado dia 6, data que certamente ficará a assinalar marco glorioso na história do nosso ensino superior.

No curto espaço de alguns dias, no decorrer desta quente sessão extraordinária, a consciência cristã do País teve ensejo de viver dois momentos altos, de transcendente significado.

O primeiro foi a introdução do nome de Deus no texto constitucional, por proposta que esta Assembleia se honrou de aprovar em votação solene.

O segundo foi a oficialização da Universidade Católica, senho dourado do cardeal Gonçalves Cerejeira, que assim pôde ter a felicidade de, ainda nesta vida terrena, ver coroados do melhor êxito tanto esforço e canseiras de tempos idos.

Mas não é só o egrégio cardeal que nesta hora exulta. Acompanham-no, certamente, e com ele dão graças a