lheu, para que por sua vez estes levem a boa nova a todos e cada um dos outros homems a Sua própria intimidade e o caminho para nela participar.

Mas a religião, a atitude do homem perante Deus, não se apoia única e exclusivamente sobre o fundamento delicado - dom gratuito - da fé. Há uma religião natural, que o homem atinge apenas com a força da razão, acessível, portanto, a todos.

O impulso aterrador do ateísmo contemporâneo radica, quer-me parecer, muito mais do que no «escândalo do sobrenatural» que a Revelação implica na alienação generalizada de uma cultura em decadência, assente sobre valores marginais, como a economia, o bem-estar físico e o sexo, que narcotiza os mais profundos anelos esperituais do homem.

com os ditames da sua consciência.

Cada pessoa e cada grupo há-de, pois, aceitar a livre manifestação dos demais no que à religião se refere. E a autoridade social, o Estado, a todas garantirá tal liberdade - não porque verdade e erro se confundam, o que, aliás, não lhe compete apreciar, mas porque são iguais os direitos das pessoas que de boa fé e em consciência a uma e outro prestam adesão.

A Liberdade religiosa configura-se assim, Sr. Presidente, como uma pretensão mais dos indivíduos perante o Estado. É a este que as pessoas se dirigem para se

assegurarem contra a abusiva invasão por outrem da esfera do seu direito; e frente a ele se colocam também para reclamarem, da parte do Poder Público, o respeito pela actuação a cada um ditada pela sua consciência - tanto mais necessário quanto é certo serem variados e particularmente envolventes os meios de coacção de que ele dispõe.

Esta função de garantia é realizada pela lei. Não há liberdade sem lei: vivendo o homem em sociedade, em comunhão de vida com os outros homens, é imprescindível delimitar, mediante regras gerais, que a todos obriguem, o âmbito de acção que a cada um compete em face dos outros e em face do Estado, que personifica o corpo social.

Liberdade não legislada é, portanto, liberdade não defendida, permeável, designadamente, a todas as incursões do Poder. Mas também não serve qualquer lei: a legislação sobre as liberdades individuais tem de respeitar integralmente os valores que lhe incumbe acautelar, limitando essas liberdades na medida exacta do estritamente indispensável imposto pela ordem pública.

Tão significativa é à nossa experiência neste campo, fruto de um passado não muito distante, cujas consequências estão à vista; tão frequentes e variadas são as restrições, os condicionamentos, as cautelas entre nós vigentes, que julgo oportuníssimo, no momento de fazer leis sobre matéria de tal delicadeza, reivindicar disposições justas, que consagrem a liber dade como regra e não se limitem a tolerá-la como indesejada excepção.

É neste campo da garantia da liberdade dos cidadãos que se se situa, Sr. Presidente, o principal papel do Estado em matéria religiosa. Não está excluída a colaboração dele com as entidades representativas das várias confissões religiosas, em especial com aquelas que filiem maior número de pessoas; nem tão-pouco se o isentadas responsabilidades que lhe incumbem em ordem a favorecer na medida que lhe cabe o desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidadãos possam realmente exercitar os seus direitos e cumprir os seus deveres e a própria sociedade beneficie dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus. Mas a era da união do trono e do altar passou: não se aceita já que o Estado se arvore em patrono e protector da religião - os exageros e as violências do regalismo nas suas «diversas formulações só prejudicaram a religião, comprometendo-a em questões temporais; e também firmemente se rejeita o clericalismo, que, por paradoxal que pareça, tende agora a ressurgir em certos meios, embora com sinal político contrário àquele que entre nós é tradicional.

A regra será, pois, a da separação do Estado e das confissões religiosas, de Deus e de César. É isto o que a igreja católica para si reclamou no Concílio Vaticano II, ao afirmar que «a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas, cada uma no seu próprio terreno» (Constituição Gaudium et Spes, n.º 76). Ponto é que a ideia-força da separação não seja invocada, distorcidamente, para escorraçar a religião para dentro dos lugares de culto e proclamar que a ordenação das questões sociais haja de fazer-se à margem de toda a lei divina. Foi isto o que sucedeu em Portugal com o advento da 1.º República, cujos próceres da revolução de Outubro na realidade não separaram a Igreja do Estado, antes pretenderam subordiná-la a este de forma diferente, com o propósito declarad o de erradicar, em prazo curto, qualquer convicção religiosa do povo deste país. Daí que a simples referência do termo «separação» seja ainda susceptível de gerar compreensíveis - mas injustificadas - apreensões, sobretudo naqueles que sofreram na sua carne as agruras de um sectarismo anti-religioso, propugnado por via oficial.

Mas teremos nós necessidade, Sr. Presidente, de uma lei especial sobre liberdade religiosa?

A liberdade religiosa analisa-se na liberdade de crença, na liberdade de reunião e na liberdade de associação. A liberdade de crenças é uma forma da liberdade de pensamento e, como esta, postula a expressão e a comunicação aos outros, mediante o ensino e os restantes processos de transmissão de ideias. Quanto às liberdades de reunião e de associação decorrem do aspecto social, comunitário, do fenómeno religioso: àqueles que professam a mesma religião há-de reconhecer-se o direito de se reunirem para a prática de actos de culto ou para a realização em c onjunto de outras finalidades espirituais; e, bem assim, o direito de uns aos outros se associarem em termos estáveis para a obtenção de um objectivo de natureza religiosa, que todos tomam por comum.

A questão da liberdade religiosa, da sua garantia efectiva, desloca-se, portanto, para o âmbito da questão mais ampla das liberdades cívicas, que o Estado, em boa dou-