2. Em matéria de reconhecimento e de garantia da liberdade religiosa, bem como pelo que respeita à protecção jurídica contemplada na base anterior, todas as pessoas e confissões têm direito a igual tratamento; poderão, para outros efeitos, ser consideradas diferenças impostas pela sua diferente representatividade.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão conjuntamente.

O Sr. Almeida Cotta: - Esta base, segundo se diz no parecer da comissão eventual, foi longa e atentamente estudada, como, aliás, as outras, pelo que me é grato voltar a agradecer a excelente colaboração prestada pelos seus membros, e bem assim as palavras amáveis com que quiseram aludir à presidência.

Nela se estabelece que o Estado não professa qualquer religião e as suas relações com as confissões religiosas assentam no regime de separação.

No que respeita à igreja católica, a situação é exactamente a que já existia e se encontrava consagrada no artigo 45.º da Constituição: «O Estaco», diz-se neste preceito, «mantém relativamente à igreja católica o regime de separação, com relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal [...]».

As alterações introduzidas na Constituição não alteraram o statu quo.

Agora, esse regime torna-se extensivo a todas as confissões religiosas, que ficaram assim com direito a igual tratamento, ressalvadas as diferenças im postas pela sua representatividade. E esse é talvez um dos aspectos mais importantes que se teve em vista.

Não se trata de uma lei contra qualquer confissão, mas de uma lei a favor de todas; não se trata de tolerância religiosa, mas do reconhecimento e garantia de um direito.

O regime de separação implica a aconfessionalidade do Estado, e é apenas nesse sentido que deve entender-se o disposto no n.º I desta base, cumprindo-lhe, porém, assegurar a protecção jurídica adequada e permitindo - volto a repetir-, como se afirma na declaração do episcopado da metrópole, «que todos os cidadãos sigam e pratiquem a religião em que acreditam, desde que», conforme na mesma declaração se diz, «se guarde a devida ordem pública».

Parece-me, assim, que não é razoável atribuir-lhe um vislumbre sequer de atitude negativa do Estado perante o factor religioso, muito menos um sabor laicista.

O Rev. P.e António Leite, já muitas vezes aqui citado, chegou, salvo erro, a escrever e sugerir que a1 fórmula utilizada - o Estado não professa qualquer religião - era correcta do ponto de vista dos princípios, embora mais tarde viesse a mostrar preferência por outra solução.

Quanto a nós, ela exprime, mesmo só por si e independentemente, portanto, do texto em que se integra, uma posição do Estado face às confissões religiosas que é indispensável ficar claramente definida, sem prejuízo da representatividade destas, que é também outro factor real a considerar.

E isso não significa, de nenhum modo, indiferença ou mesmo neutralidade, mas, ao contrário, atento cuidado ao problema religioso e à enorme projecção dos seus valores; não significa laicismo, mas colaboração ou cooperação na imparcialidade.

A leitura da proposta mostra à evidência o interesse do Estado pelas várias confissões religiosas e, particularmente, pela tradicional do País, cujos princípios da doutrina e da moral informam o ensino por ele próprio ministrado. Já aqui referi outras ra nesta proposta.

Por isso, não vejo razões para alterar esta base nem para aceitar as propostas de alteração apresentadas até agora, pois todas se limitam praticamente a eliminar a primeira parte do seu n.º 1 com fundamento de que não é necessário, visto resultar do regime de separação previsto para regular as relações entre o Estado e as confissões religiosas, ou pelo sabor laicista que se lhe poderia atribuir.

Ora, quanto a este último aspecto, suponho ter já demonstrado a sua inexactidão, devendo, pelo contrário, conferir-se-lhe outro sentido, e, quanto ao primeiro, penso que, como a mulher de César, também o Estado, além de parecer, deve ser na realidade imparcial, sem prejuízo - insisto - da representatividade de cada uma delas, facto tão natural no exame dos fenómenos sociais como na análise dos fenómenos físicos ou materiais: uma floresta e uma árvore não são a mesma coisa, nem se tratam da mesma maneira.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Acabo de ouvir, citada pelo Sr. Deputado Almeida Cotta, a opinião autorizada do Sr. P.e António Leite. Evidentemente que não tenho do Sr. P.e António Leite qualquer procuração para o representar. Mas, como aprendi, por sempre ter ouvido dizer, que o mudar de ideias é uma manifestação de inteligência, não me impressionou nada que o Sr. P.e António Leite, numa primeira observação desta base, se tivesse pronunciado favoravelmente, como manifestou o Sr. Deputado Almeida Cotta. No entanto, reflectindo mais maduramente sobre a expressão - segundo me consta e até segundo ouvi dizer ao Sr. Dr. Almeida Cotta -, ele veio rectificar aquela sua mesma opinião, em termos inequívocos e que contrariam a sua primeira opinião.

Sr. Presidente: Inconformado, desde a primeira leitura, com a redacção do n.º 1 desta base n, logo me predispus a recorrer à possibilidade da proposta de emenda para me pronunciar no sentado da supressão do que nela me pareceu desnecessário e chocante em consequência da usada expressão: «O Estado não professa