lei e do Estado e impõe que se reconheça uma autonomia particular às organizações correspondentes às confissões religiosas.

Pois se, quanto às demais liberdades, está constitucionalmente consagrado que elas se decompõem em direitos e como tais são regulamentadas e aceites no ordenamento constitucional e no ordenamento jurídico geral; se a intenção do Governo ao fazer esta proposta foi a de reconhecer que o fenómeno religioso merece uma especial protecção e uma especial disciplina, não se compreende como a liberdade religiosa se decompõe em meras faculdades lícitas e as demais liberdades se decomponham em verdadeiros direitos.

A única solução consentânea para uma disciplina jurídica aceitável, designadamente em face da nossa ordem constitucional, em face da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em face da própria declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, é a que aceite que a liberdade religiosa se decomponha em autênticos e verdadeiros direitos.

E tudo, de momento.

O Sr. Cunha Araújo: - Segundo me parece ter entendido, a preocupação do nosso ilustre colega Dr. Sá Carneiro é simplesmente de rigor terminológico.

E fica-lhe muito bem como jurista, justamente, essa exigência da terminologia quando está a falar desta matéria em discussão.

Mas, quanto a mim, sem de nenhum modo querer contrariar a sua exposição de que a licitude ou ilicitude de um acto deriva directamente do reconhecimento de um direito.

Portanto, uma vez que nós estamos a tratar de um direito já reconhecido, que é o direito da liberdade religiosa, e salvo o devido respeito pela douta opinião do meu ilustre colega, o emprego da expressão «licitude» ou «ser lícito», conforme se diz na proposta do Governo - «é lícito às pessoas em matéria de crenças è de culto religioso [...] ter ou não ter religião» -, parece que não contende de modo algum com a minha formação jurídica.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Oliveira Dias: - A redacção proposta para esta base pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e outros retoma, com algumas alterações, a primeira versão da proposta do Governo.

E retoma-a proclamando com solenidade uma série de direitos que, no seu conjunto, integram a liberdade religiosa.

A segunda versão da proposta do Governo já não faz essa enumeração de direitos, colocando-se antes numa perspectiva de tolerância em relação àquilo que é lícito ao indivíduo proceder.

Como se diz na declaração do episcopado da metrópole sobre a matéria: «A plena liberdade religiosa deve ser reconhecida pelos Estados de forma positiva.»

Por isso, adiro à formulação proposta pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e outros, com uma reserva.

No que se refere à alínea d), na parte que diz respeito à observância do dia de repouso semanal próprio de qualquer confissão religiosa, que estando certo, em teoria, não vejo como poderá, praticamente, adoptar-se.

Observo; ainda, comparando a primeira e segunda versão das propostas do Governo, que na segunda alguns dos princípios da liberdade religiosa anteriormente formulados foram difundidos no restante articulado, mas outros deixam de figurar, como:

O direito à assistência religiosa por ministros da religião professada;

O direito de receber sepultura de harmonia com os ritos da confissão que se professa, segundo as disposições tomadas pelo próprio ou pelos seus familiares;

O direito de os pais, ou quem suas vezes fizer, decidir sobre a educação dos filhos menores de certa idade (agora, logicamente, 18 anos).

O direito de reunião e o direito de organização das confissões religiosas deixam de ser proclamados como tal, surgindo as novas redacções nas bases V e XI da proposta do Governo, na referida perspectiva da tolerância, que julgo não deverá ser a tónica da lei. Por isso adiro à proposta do Sr. Deputado Sá Carneiro e outros, com a reserva referida.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Como já se tinha dito, e como, aliás, já todos os Srs. Deputados certamente tinham reparado, a redacção para esta base m, proposta pelo Sr. Deputado Sá Carneiro, por mim e por outros, retoma aquela que constava do projecto do Governo.

Efectivamente, a base I reconhece um direito à liberdade religiosa, e a redacção proposta para esta base III define o seu conteúdo concreto: um certo número, não de faculdades ou de possibilidades, mas efectivamente de direitos.

Quando nós consideramos a liberdade religiosa, quer no plano dá pessoa, quer no plano da família, quer no plano de grupos religiosos, estamos sempre em face de um direito natural e, enquanto tal, anterior ao direito positivo.

Estes direitos constam, praticamente todos, da Declaração Conciliar sobre a Liberdade Religiosa, onde são efectivamente apontados como direitos, cujo não reconhecimento, ou cuja violação, são aí consideradas injustiças, verdadeiros atentados contra ã justiça e, enquanto tal, ilegítimos.

A posição do Estado em face deles é do seu conhecimento, da facilitação de todas as Condições indispensáveis para a sua promoção, e isto sem que em nada fique prejudicado o papel que ao Estado compete assegurar o bem comum, tendo aliás presente que a liberdade religiosa é uma dimensão essencial e das mais preciosas deste mesmo bem comum. Creio (aliás, o Sr. Deputado Sá Carneiro já o referiu) que quando o Estado intervém ao reprimir um abuso deste direito, no fim de contas do que se trata é do prevaricador ter saído fora dele.

De resto, a declaração conciliar sobre liberdade religiosa, ao referir-se ao papel do Estado na defesa da sociedade nesta matéria, diz-se que os abusos destes direitos são afinal atitudes ilegitimamente assumidas a pretexto da liberdade religiosa.

Portanto, não é a liberdade religiosa que está em causa, mas sim atitudes concretas de determinadas pessoas individuais ou colectivas, que, a pretexto desta liberdade, se situaram fora do seu âmbito e, portanto, estão sujeitas às penalidades impostas pela lei geral.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Queria apenas chamar a atenção da Câmara para uma argumentação que me pareceu ter sido proposta, com base no parecer da Câmara Corporativa, e que o parecer, efectivamente não comporta.