Quanto ao chamado «direito a receber sepultura de harmonia com os ritos professados», também carece de ser entendido em termos hábeis, para empregar as palavras da Câmara, que esclarece não se tratar de um direito da pessoa em face da sua .confissão, pois, por exemplo, mesmo que o interessado disponha que o seu funeral seja católico, não podem as autoridades civis obrigar as autoridades eclesiásticas a fazê-lo, se estas entenderem o contrário.

Isto se diz sem negar «a conveniência em acentuar que a fixação dos termos do funeral, bem como a determinação dos sufrágios, constituem matérias que cabem no âmbito da liberdade religiosa, competindo, assim, a cada pessoa dispor acerca delas como melhor lhe aprouver».

Para tanto, a Câmara sugeriu uma base (base V do parecer), com uma redacção mais apropriada do que a da alínea f) do projecto da proposta de lei e da proposta de alteração, base essa que a proposta de lei elimina talvez porque o disposto na alínea a) do artigo 2326.º do Código Civil contempla a matéria. Mas, quanto a mim, tem razão a Câmara Corporativa (no mesmo pendor se insere, nesta parte, a proposta de alteração), ao dizer que nada se perde em trazer explicitamente a solução destas questões para a sua sede adequada, que é a da lei sobre liberdade religiosa.

É de assinalar que a Câmara Corporativa propõe também uma nova base (base VI), de sentido semelhante à alínea d) da proposta de alteração, em que se prevê que o Estado e as empresas devem, na medida do possível, facilitar o cumprimento dos deveres religiosos por parte dos funcionários e trabalhadores, nomeadamente no que se refere à prestação de assistência religiosa do culto que eles professam. E isto em obediência ao tal valor «positivo» da religião que aconselha a que se preveja que aos principais destinatários da norma (o Estado e as empresas) não só incumbe «permitir», como devem, na medida do possível, «facilitar» o espontâneo cumprimento dos deveres religios os dos indivíduos, nomeadamente o respeito pelos domingos e dias santos de guarda, a observância do dia de descanso semanal, etc.

Afigura-se equilibrada esta forma de pôr e de solucionar a questão, e por isso, neste caso e no outro anteriormente apontado, estou disposto a apresentar propostas de alteração se as suas soluções não puderem, de algum modo, considerar-se implícitas no texto governamental. Não admiti, até agora, a hipótese de apresentar propostas de alteração em assuntos em que fui vencido na comissão.

Mas, nestes casos, a matéria não foi expressamente discutida na comissão, e daí o sentir-me à vontade para assinar, se necessário, propostas no sentido preconizado pela Câmara Corporativa.

E digo no sentido preconizado pela Câmara Corporativa pelas razões aduzidas e porque, no tocante ao último problema, não se me afigura viável, como é óbvio, obrigar o Estado e as empresas, em regime generalizado, a reconhecer o direito de se «[...] observar o dia de repouso semanal próprio de qualquer confissão religiosa [...]», como se sugere na alínea d) da proposta de alteração também em discussão.

Não valerá a pena, penso, perder tempo a demonstrar ou a mostrar ser manifestamente inviável, em face das exigências da vida e de interesses de carácter geral inamovíveis, prever, como direito para os empregados por conta de outrem, «o de observar o dia de repouso semanal próprio de qualquer confissão religiosa». A lei do trabalho tem de fixar, e fixa, como direito, um dia de descanso semanal, e prevê que esse dia, em regra, seja o domingo. Mas, mesmo em relação ao domingo, permite-se o trabalho, em casos excepcionais e, por vezes, para certas actividades, como norma de observância regular.

Os direitos individuais têm limites naturais decorrentes de interesses gerais que não podem ser ultrapassados numa comunidade organizada com equilíbrio e com realismo, a não ser que se queira instaurar uma sociedade de tão acentuada expressão individualista que se corra o risco de se resvalar para sistemas anárquicos de vida, por sinal inconciliáveis com as liberdades autênticas das pessoas e das instituições.

Vozes: - Muito bem!

referível, de acordo, aliás, com a doutrina do projecto da proposta de lei, a solução de declarar lícitas as reuniões para a prática do culto nos lugares especialmente destinados a esse fim, sem dependência de autorização oficial ou de participação às autoridades.

Em base própria condensou a Câmara a doutrina, mas esta, porém, carece de ser alargada no seu alcance, de modo a abranger não só a prática comunitária do culto, mas também outros fins específicos da vida religiosa. Tal é o significado da proposta de alteração do n.º 2 da base V que, com outros membros da comissão eventual, me foi dado subscrever.

O mesmo se diga quanto ao direito de «associação» referido na alínea j) da proposta de alteração do Deputado Sá Carneiro, direito esse que, pela sua natureza e relevância, veio a merecer «a especialidade do seu regime», justificando-se ainda que, «pelas consequências lógicas do seu exercício, constitua objecto da disposição legal que serve de introdução à disciplina jurídica das confissões e associações religiosas».

Como se vê, a base II do projecto de lei foi alterada no seu articulado e retocada nos seus preceitos, por razões de ordem jurídica e por conveniências de fundo e de forma, sem se cair na tentação de definir, em termos exaustivos, o conteúdo da liberdade religiosa ou de classificar doutrinàriamente as faculdades ou poderes em que o respectivo direito se divide. A esta preocupação, a Câmara Corporativa juntou ainda a de agrupar as soluções de acordo com a sua real afinidade lógica ou teleológica e de procurar melhorar a redacção de algumas disposições formuladas.

Conseguiu-o plenamente, e o Governo, por isso, fez suas as alterações apresentadas, pelo que não vejo como, depois deste longo e fecundo labor, a Assembleia Nacional possa, neste caso bem especial, voltar atrás, sem haver razões ponderosas para tal.

Não me referi até agora a um problema muito importante, ou seja, o da liberdade rel igiosa e o poder paternal.