O Sr. Veiga de Macedo: - O preceito da base X contém, com algumas das alterações propostas pela Câmara Corporativa e aceites pelo Governo, a doutrina das bases IX e X do projecto de proposta de lei.

A Câmara entendia, porém, que para se revogar o reconhecimento de uma confissão religiosa se deveria exigir, para o efeito, um recurso sistemático a actos ilícitos, a exemplo do que se prevê no artigo 182.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil para a extinção das associações em geral. O Governo, neste aspecto, não deu satisfação ao alvitre da Câmara Corporativa e creio que bem, pois se, neste domínio, se devem facultar compreensivamente amplas liberdades às confissões religiosas, não podem estas deixar de respeitar as leis vigentes e os interesses fundamentais do Estado e da Nação. Se tal não se observa, as autoridades, uma vez cientes da gravidade de actos praticados, devem agir em conformidade com as conveniências gerais que lhes cabe acautelar. Prudência não exclui energia, e magnanimidade não é o mesmo que abdicação ou renúncia.

A acção do Estado deve, pois, nesses casos, ser firme e pronta, o que se não compadecerá sempre com a exigência preconizada pela Câmara Corporativa quanto ao carácter sistemático na prática de actos ilícitos, até porque um só acto desta índole pode, pelo seu perigo e repercussão, assumir maior gravidade que a prática, mais ou menos continuada, de outros menos nocivos e de consequências mais restritas.

Estas palavras evidenciam também a minha posição quanto à proposta de alteração em debate, destinada a fazer depender a revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa de sentença judicial, embora a pedido do Governo.

Penso que seria arriscado retirar ao Governo uma faculdade a que, por força de urgentes e indeclináveis razões de ordem pública ou de interesse nacional, pode ter de recorrer-se com celeridade incompatível com a tramitação, em regra morosa, de um processo judicial.

Só merece aplauso a intenção dos ilustres proponentes da alteração em debate, mas creio que não o merece menos o propósito do Governo, que, na justa e prudente ponderação de todos os factores em presença, deverá, neste domínio, e sempre que necessário, usar precisamente do mesmo poder que lhe permite reconhecer as confissões religiosas, no pressuposto de que estas não exorbitarão do seu âmbito natural da acção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda mo domingo passado a imprensa deu notícia da entrevista concedida pelo Sr. Presidente do Conselho a um jornal sueco, ao qual, a propósito do «desvio de centenas de estudantes portugueses para universidades estrangeiras», em consequência «de manobras dos nossos inimigos», o Doutor Marcelo Caetano não hesitou em declarar:

Um dos mais traiçoeiros golpes sofridos por Portugal nesse ano (ano de 1961) foi devido à acção de missões americanas que provocaram e subsidiaram a emigração desses estudantes, dispersos depois por diversos países a fim de serem educados numa atitude antiportuguesa.

Não será preciso apresentar mais exemplos, pois, infelizmente, como este exemplo, outros provenientes de sectores religiosos, protestantes e não protestantes, são de todos bem conhecidos.

É bem recente o epílogo do tristíssimo caso da mesma natureza registado em Moçambique para que se torne necessário acentuar a delicadeza e a importância de problemas como aquele sobre o qual estamos agora a debruçar-nos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Machado: Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Machado.

O Sr. Pinto Machado: -Sr. Presidente: E um esclarecimento a um reparo do Sr. Deputado Almeida Cotta, que, aliás, não sei se me era dirigido e, a sê-lo, sinceramente que não tem cabimento.

Eu não disse que nos Estados de direito são os tribunais judiciais que fiscalizam a acção do Governo.

Referi-me, sim, às funções dos tribunais judiciais de averiguar das infracções cometidas pelos cidadãos no que respeita ao cumprimento das leis. A referência que fiz à fiscalização dos actos do Governo - que é um problema gravíssimo em qualquer país do mundo de hoje respeitava aos parlamentos. Devido ao necessário aumento do intervencionismo governamental e à complexidade dos problemas no domínio da economia, da educação, da saúde, etc., enfim, a todo este desenvolvimento técnico extraordinário, os governos necessitam e dispõem de um apoio técnico cada vez maior, apoio que os parlamentos não têm. Acerca disso li, muito recentemente, um artigo - por sinal dá autoria de um professor u niversitário americano - em que o problema era posto em relação às relações do Presidente dos Estados Unidos com o Congresso, Congresso que vai caminhando para uma demissão progressiva por falta de meios técnicos para poder julgar as iniciativas legislativas que a administração lhe apresenta, fundamentadas em estudos exaustivos, e os próprios actos desta. O que, por sua vez, faz com que esta administração esteja, cada vez mais, dependente das técnicas que duo os pareceres, pois o Governo decide em função das informações que os técnicos mandam e eles podem mandar umas e não mandar outras.

Foi, pois, este o problema que pus, e de maneira nenhuma aquele a que o Sr. Deputado Almeida Cotta se referiu. Aliás, não sei se era dirigido a mim esse reparo.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: A revogação do reconhecimento não põe em causa a apreciação de um acto do Governo. Ao revogar o reconhecimento não se está a julgar do acto do reconhecimento, não se está a decidir se ele foi bem ou mal feito. Para isso há, efectivamente, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.