O Orador: - Para além de Salazar - o espírito de Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Honra seja feita à profundidade do seu espírito, glória seja rendida à superioridade do seu espírito, glória seja rendida à superioridade da sua inteligência, preito de homenagem seja prestado à integridade do seu carácter, que garantiram que para além de Salazar perdure e viva o espírito tutelar de Salazar.

Para além de Salazar - o espírito de Salazar.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Proença, a quem igualmente convido a subir à tribuna.

O Sr. Gonçalves de Proença: - Sr. Presidente: Bem pouco tempo é um ano na vida de um povo, sobretudo quando se conta já de existência colectiva mais de oito séculos de história.

Bem pouco tempo é na perspectiva da criação colectiva, que não na óptica negativa da destruição e do desaparecimento.

Uma floresta demora decénios a crescer e a formar-se e pode ser destruída pelo fogo em horas ou dias.

Assim na Natureza como na obra dos homens.

Projectos e iniciativas exigem meses e meses de estudo, ponderação e arranque, que mão assassina ou golpe infeliz podem aniquilar com a rapidez do relâmpago.

Assim na obra dos homens como no aparecimento dos próprios agentes da criação.

Os génios exigem séculos de gestação, que as gerações assinam com alvoroço a pedir lugar proeminente na história, com o grito orgulhoso de geração privilegiada.

Mas a morte não conhece privilégios e a todos nivela por igual na campa rasa, com a mesma rapidez e desprezo pelo tempo.

Quer isto significar que o «sim» da criação é obra demorada, mas o «não» da destruição pode ser curto e fulminante.

Tudo isto me ocorre ao contemplar perplexo e atónito o ano que hoje termina com o começo em 27 de Julho de 1970.

Todos estamos recordados: Minado pela doença, traiçoeira e inesperada, que não pela usura do tempo, soçobrou nesse dia o suporte físico de um dos maiores génios políticos da nossa história.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Como na floresta, quando o raio fulmina a árvore maior, que nenhum lenhador fora capaz de abater, todas as outras sentiram o impacto da sua queda e a terra tremeu com o gemido da lamentação telúrica.

Clareira grande ficou aberta.

Com o sentido gregário da defesa colectiva, logo a Nação se uniu à volta do Chefe do Estado, que por escolha renovada elegera para garante da unidade e da continuidade da Pátria.

A Providência esteve presente com a autoridade do Chefe e a maturidade da Nação.

E a vida colectiva continuou sem sobressaltos, nem hesitações. Serenamente, naturalmente, como quem está habituado em oito séculos de história a escrever com decisão a sua própria história.

E a clareira da floresta voltou a agitar-se com a ramagem viva de novas esperanças, de confiança no futuro e certeza no presente.

Junto à origem, a campa rasa, com a raiz profunda do gigante abatido, que mergulha até ao fundo da história, ficou a perpetuar ao nível da terra a morte de Salazar.

Isto ao nível das coisas, que não dos espíritos, que não da memória dos homens, que não da história do povo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Passou um ano e podem passar séculos que sempre vivo e presente ficará na memória dos homens e na história do povo o momento que hoje assinalamos.

O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - É que os factos não valem pelo instante em que ocorrem, nem perduram pela maior ou menor duração da sua vivência.

Os factos valem pela capacidade que tiverem em se encastoar no tempo e sobreviver ao tempo na duração da história.

Por isso dizemos que Ourique é tempo presente, como Aljubarrota, como 1640, como Marracuene, como Nam-buangongo.

Factos presentes, porque ainda neles continua a assentar o presente e o futuro da história.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Daí a legitimidade desta fala que hoje aqui vim trazer, vivendo um ano depois um facto que é também de hoje.

Daí a legitimidade da comemoração que o aniversário da morte física de Salazar justifica, a que o Governo dentro de dias dará relevo condigno no Panteão Nacional, e que hoje aqui trouxe no eco pobre desta palavra, acordando ecos maiores que ainda aqui se ouvem da sua voz egrégia e profunda.

Quem o não ouve na sua voz pausada e serena, apontando o caminho à Pátria toda nesta Casa reunida.

Essa mesma Pátria que todos representamos, de aquém e de além-mar, e que reverente se curva perante a sua memória, para logo se perfilar, decidida e austera, olhos postos no futuro e na sua grandeza, como ele sempre a sonhou e soube dignificar. Sejamos dignos dele.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um ano é passado. Bem pouco tempo na história de um povo.

E aqui volta o paradoxo ida lentidão na obra da criação e da rapidez na obra da destruição.

Quem olha esse ano fica admirado como, afinal, à clareira da floresta aberta pela queda da árvore maior se juntaram outras clareiras, aumentando a mancha de destruição provocada pela morte.

A vida colectiva não é feita apenas pelos génios que a determinam e inspiram, mas também por todos os demais que na liderança das actividades ou na humildade das colaborações sabem acompanhar e cumprir o seu dever perante a comunidade. São os intelectuais, os chefes de empresa, os responsáveis políticos, os trabalhadores do dia a dia. Afinal a massa grandiosa da Nação.