der não intenta sómente neutralizar um adversário real ou potencial, procura modificar o espírito formando adeptos.

Eis porque se pode ser perseguido pelas ideias ainda quando se não manifestam. Os censores penetram nas consciências servindo-se de meios indirectos, mas eficazes. E não toco, porque seria despropositado, nos meios de fazer falar pela violência, desde as drogas aos maus tratos e à ternura.

Um poeta do século XVI, António Ferreira, que experimentou a censura inquisitorial, descreveu, num terceto, as tribulações da consciência perseguida. Diz assim:

A medo vivo, a medo escrevo e falo;

hei medo do que falo só comigo;

mas ainda a medo cuido, a medo calo.

Como é que a criação literária, artística, científica, as ideias sociais e políticas, numa palavra, a cultura intelectual, pode prosperar nos períodos históricos dominados pela censura?

Talvez seja fácil governar quando o povo está obrigatoriamente calado e quieto, mas a herança político-cultural destes períodos costuma ser pesadíssima, porque os grupos sociais que se sentem arriscados a perder os posições são capazes de alimentar soluções totalitárias.

Porém, felizmente, há outros grupos que a pouco e pouco reconhecem afinidades entre si, virando os olhos mais para o futuro do que para o passado.

Aproximamo-nos do instante em que será preciso escolher entre as tendências conservadoras e antimodernas e o movimento progressivo, exercendo nos espíritos e nas instituições influências que mobilizem as energias cativas.

A opinião pública começava a impacientar-se com as delongas da publicação da lei de imprensa, pois considera-a como que a expressão e o símbolo dos novos tempos.

A história dos adiamentos da publicação da lei traduz a dúvida de conferir ao povo português um direito inscrito nas consciências e nos costumes dos países adiantados. O caso não era para menos, porque durante quarenta e cinco anos os indivíduos quase se desobrigaram de pensar e de tomar resoluções políticas -alguém as tomava por eles.

Vai chegando a hora de ajuizar do valor e alcance do sistema.

A crítica do passado é necessária para imprimir um sentido novo ao presente. Não se procura demolir, mas analisar; não se cuida de denegrir, mas de avaliar, não se pretende abater uma história que teve lances consideráveis, mas simplesmente iluminar pontos obscuros. Só se destrói o que se substitui. De um sistema político-económico fez-se um templo, tornando absolutas as normas doutrinais e a vontade de um homem falível.

A lei de imprensa deve permitir essa análise, ventilando assuntos que até agora gozaram do privilégio da intangibilidade. Os Portugueses querem saber como foram governados perto de meio século; querem conhecer o seu passado sem a interferência autoritária da censura, nem as deformações da informação oficial.

O Sr. Correia da Ganha: - Muito bem!

O Orador: - Durante esse período, o cidadão sentiu-se quase impotente perante os Poderes Públicos.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Perdão... Eu, como cidadão, nunca me considerei impotente.

O Orador: - V. Ex.ª não é a maioria. É uma pessoa considerada, mas, em todo o caso, uma pessoa única.

O Sr. Casal-Ribelro: - Está bem! V. Ex.ª pode considerar-se impotente, mas eu nunca me considerei impotente!

O Orador: - É certo que poderia aderir; é verdade que podia participar colaborando, mas não dispunha de meios eficazes de manifestar as suas opiniões e, muito menos, de reivindicar o que o sistema político não previra.

O Sr. Mota Amaral: - Muito bem!

O Orador: - A liberalização compreende duas fases: a primeira é a apreciação crítica do passado; a segunda, a edificação do futuro.

A revisão da Constituição Política, a lei sobre a liberdade religiosa e a lei de imprensa são passes no caminho novo. Talvez se não tenha podido ir mais adiante, mas isto é ainda insuficiente. Diria que são etapas que alargam os limites da acção, permitindo que o País respire mais livremente, mas o essencial é a formulação de um projecto ou programa que corporize as aspirações e expectativas, especialmente das camadas sócio-económicas mais ou menos subalternizadas a certas influências dominantes.

Se acaso for possível efectuar a transição conservando a estabilidade e o sossego, tão apreciados por aqueles que têm de ceder para que a evolução se faça, tanto melhor. Mas que considerações desta ordem não embaracem as decisões!

Não há dúvida que, em frente de interesses contraditórios, de grupos de pressão e de influências várias, a conservação da ordem pode ser uma defesa e até uma virtude, mas um dia será preciso correr os riscos inerentes a todo o processo de mudança, abandonando as certezas repousadas pelos arrebatamentos criadores de novas formas de convivência.

Perguntar-se-á o que tem a ver isto com a lei de imprensa. Respondo: tem tudo. Só é possível executar os grandes trabalhos colectivos com a adesão consciente do povo, e isso alcança-se por intermédio do esclarecimento, da troca de ideias, do debate público.

O Sr. Sá Caneiro: - Muito bem!

justiça e, simultâneamente, levantar dificuldades à informação e à divulgação da cultura é querer coisas inconciliáveis; é preparar o terreno para a manutenção do statu que e da vida prosaica.