só esses - por certos sectores da imprensa estabelecida, que ao Estado quer substituir-se na sua função educativa e que geralmente preza mais os réditos próprios do que a «saúde pública» - o indivíduo na sua presença social, isolado ou na família, na intimidade do seu lar, no exercício da sua profissão particular ou pública, tudo de quanto deriva o conceito de bom nome e reputação, que também é direito fundamental seu e gera o de honra, que não poderá entregar-se, indefeso, ao arbítrio dos que nem sempre escrevam, por muitos haver que apenas «escrevinham», sem consideração pela informação imparcial e objectiva que essencialmente lhes cumpre. Será por isso que importará sobretudo, mesmo sobre o respeito devido às liberdades individuais, seja qual for a sua natureza, salvaguardar a opinião pública como elemento fundamental da política e administração do País, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administ ração e o bem comum.
A verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum, eis, em síntese, os termos em que deve ser posta a questão entre nós como em todo o mundo, valores essenciais cuja preservação se não compadece com transigências - o culto idólatra da liberdade indiscriminadamente exercido em oposição ao velho conceito sub lege libertas, indiscutivelmente justificável no limite que impõe à liberdade de uns face à liberdade dos demais, tal como foi reconhecido na Declaração de Direitos das Nações Unidas. Igualmente no Conselho da Europa, ao estabelecer como limitações legítimas as que constam das leis, por razões de (segurança, de ordem pública, de prevenção penal, de tutela da moral, de protecção de direitos alheios, de garantias da autoridade e de independência da justiça. E igualmente, ainda, na proposta norte-americana apresentada no Convénio sobre Liberdade de Informação, onde se admitem como restrições justificáveis todas aquelas que tendam a proteg er a sociedade contra as obscenidades, o Estado contra as desordens internas e agressões externas, os indivíduos contra a calúnia e a difamação.
Sr. Presidente: Situado entre os que entendem não dever confundir-se a liberdade de expressão com a liberdade de imprensa, aquela por sua natureza incontrariável como consequência da faculdade natural de pensar inerente ao homem, esta regulável por força das necessidades de defesa da colectividade em que aquele se integra, não vou embrenhar-me num trabalho discernente, muito embora não fosse despicienda a distinção. Direi apenas que, se por um lado a liberdade de expressão carece de garantias permissivas da livre circulação das ideias, por outro o Estado tem o dever de precaver-se contra o seu poder de penetração através da imprensa, que não pode consentir se torne em força de pressão, agindo ou omitindo por conveniência própria, deformando a consciência colectiva, ocultando ou deturpando a verdade dos factos sobre que deve assentar toda a actividade informadora. Isto porque, como resulta da essência do nosso direito constitucional, a imprensa terá de exercer, erga omnes, uma irrecusável função de carácter público, com prejuízo embora das liberdades essenciais que terão de ceder o passo aos superiores interesses da grei, por muito que o entendimento repugne aos sentimentos individualistas dos que mais prezam o cidadão do que a sociedade em que se confunde; em que se confunde e que o transcende na obrigada submissão de todos ao normativismo legal do Estado soberano promotor da unidade, criador e mantenedor da ordem jurídica da Nação.
Daqui o já se haver consignado na Constituição de 1933, ainda em vigor, a submissão da liberdade de expressão às leis especiais reguladoras do seu exercício, o que não é mais do que a afirmação do velho conceito, já referido, sub lege libertas.
Ao Estado cumpre, pois, regular as liberdades. Todas as liberdades desde sempre tão reivindicadas pelos homens. E fá-lo-á com temperança e no exacto conhecimento do quanto lhe cumpre ser generoso, tal como no passado realengo que acreditou a expressiva máxima: Nunquam libertas plus extat quam sub rege pio. (Nunca há mais liberdade do que sob o governo de um rei piedoso.)
Pois a lei de imprensa em discussão não é mais do que uma manifestação, por parte do Poder, de um reconhecimento do sentido das responsabilidades que no-la fez merecer, no limiar das portas escancaradas para uma franca evolução na continuidade que tem marcado a sadia política do Governo de Marcelo Caetano. Confiemos, sem pedir demasiado. As decisões, como já vamos estando habituados, virão na hora certa. Mostra-o o arrojo dos três diplomas propostos à discussão desta Assembleia neste período de sessão extraordinária de que estamos participando.
Havemos de prosseguir reflectidamente, para, friamente, podermos opor a todos os grupos de pressão, onde quer que se encontrem, o primado da ordem, o prestígio do Estado, a dignificação da autoridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Tinha oportunamente prometido a mim mesmo e ao representante de um jornal com assento na nossa tribuna da imprensa, em consequência de uma publicada deturpação na resposta a um aparte por mim feito a um ilustre colega - deturpação que haveria de vir a julgar intencional, através da forma como se redigiu a rectificação exigida -, começar as considerações que viesse a fazer sobre esta proposta de lei com uma referência pormenorizada do facto, a que atribuí muita importância, por revelar uma mentalidade que sentia ser preciso contrariar e ser, assim, um dos pontos essenciais a acautelar na lei que estava anunciado ir-nos ser presente para discussão.