Nem o projecto dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão, nem a posterior proposta de lei governamental adiantavam grande coisa a tal respeito.

Contudo, reconhece-o o Sindicato Nacional dos Jornalistas:

O jornalista é (ou deve ser) o técnico da recolha, tratamento redaccional e difusão de informação objectiva. Uma tarefa complexa como a que vem definida deve constituir, enquanto profissão, uma ocupação principal, pois depende de uma consciência profissional, de critérios deontológicos e de experiência continuada. É igualmente pacífico que o exercício dessa actividade deve assumir, em regra, uma forma organizada e permanente, que se traduzirá num contrato de trabalho com uma empresa jornalística ou uma agência noticiosa. Mas tal exercício supõe sobretudo uma competência específica, uma soma de conhecimentos científicos, psicossociais e tecnológicos, uma idoneidade moral que nenhum contrato de trabalho pode só por si garantir.

Sendo assim, parece posta muito legítima e gravemente em causa, e pelos próprios mais directamente interessados: os jornalistas, a actual forma de habilitação para o exercício da profissão.

O mesmo se diga mutatis mutandi a respeito de outros profissionais dos meios de comunicação social.

Tempo houve em que o jornalista, que exercia a sua profissão nos países mais seguros do Mundo e que relatava e comentava os acontecimentos de uma sociedade relativamente estável, que se bastava a si própria, protegida como se sentia das convulsões que sacudiam os países distantes, podia servir admiravelmente a colectividade, possuindo apenas uma modesta cultura literária e o mesmo conhecimento dos negócios públicos que qualquer homem inteligente adquiria sem especial esforço. Além disso, antes de iniciar-se a era da educação das massas, do papel e da franquia postal baratas, os jornais publicavam-se para uma minoria de homens cultos [...].

Mas os meios de informação vieram a ganhar com o tempo a contemporânea característica do "social", de um social generalizado, de "comunicação de massa".

Pode o novo representante das massas, o jornalista, descrever e interpretar a sociedade interdependente, sumamente complexa em que vive, com o simples apetrechamento cultural e técnico de outrora?

Bem parece que não. Uma formação limitada ou empírica é já inadmissível no reconhecimento dessa comissão de jornalistas:

O jornalismo impõe hoje ao que o pratica uma série de exigências de índole profissional e técnica realmente formidáveis, que só podem satisfazer-se se se adoptam novas normas de ensino e de formação. (Wilfrid Eggleston.)

Não admira assim que se reconheça que "lá fora, e já também entre nós, as redacções, saídas da fase artesanal, abandonam cada vez mais a tradição, aliás excelente, de confiarem aos jornalistas veteranos a formação dos colegas jovens (..). O ensino do jornalismo deixou de poder ser uma relação individual de mestre-aprendiz, necessariamente morosa, incompleta e precária".

É evidente que "o ensino do jornalismo sempre existiu, até porque da experiência e do saber acumulados por gerações e gerações de jornalistas é que se formou e continuará a formar-se o património de ensinamento que as escolas de jornalismo utilizam. Mas hoje é a escola que organiza e amplia o conhecimento jornalístico, antes transmitido no interior das redacções ou procurado pela via do autodidactismo - e é ela que, com economia de tempo, responde às exigências decorrentes da crescente complexidade da profissão".

Não surpreenderá que também entre nós se haja assistido, e continue a assistir-se, F* uma notável transformação da imprensa.

Como se reconhece no referido projecto de ensino do jornalismo, acompanhando o desenvolvimento dos meios de transmissão de informações, e o" surto de um mais vasto e exigente público consumidor, os nossos diários viram crescer o número de páginas, multiplicaram-se as revistas e os suplementos especializados.

Honra seja feita e desta tribuna se lhes preste.

Redacções tradicionalmente fechadas abriram-se ao ingresso de candidatos a jornalistas mais bem preparados culturalmente - ou, sendo ao mesmo tempo estudantes, em vias de adquirirem uma preparação escolar até então menos frequente entre os jornalistas.

O número de licenciados na composição das redacções passou da excepção, não à regra, que nem seria desejável, além do mais por não corresponder a uma democratização total do ensino, mas a uma percentagem significativa (20 por cento dos admitidos em 1967 eram licenciados).

As empresas tornaram-se compreensivelmente exigentes no recrutamento do seu pessoal redactorial, sendo de assinalar uma que, com vista à aliciação de novos valores, promoveu um curso de jornalismo. Outras iniciativas semelhantes, episódicas é certo, se concretizaram nos últimos anos, evidenciando uma tendência inelutável no sentido de se criar uma base de formação escolar específica para os futuros profissionais.

Ë admissível, como escreveu alguém particularmente qualificado, que "a existência de instituições de ensino a tempo completo não significa necessariamente" (sublinho necessariamente) "que todos os recrutados para a profissão devam possuir uma preparação académica (...) Quase em toda a parte se admite que o jornalismo não deve ser uma profissão fechada que limite a entrada a possuidores de diplomas e graus. Sempre deve haver lugar para os indivíduos trabalhadores e com talento,- sem preparação formal; mas a corrente principal de profissionais deverá sair das Universidades" (ou equivalentes) "se não agora, pelo menos num futuro próximo. Se as escolas de jornalismo cumprirem a sua missão, os seus diplomados deverão conquistar facilmente a preferência em razão dos seus méritos".

Em conclusão, reconheceram e afirmaram os relatores do referido projecto: Só um ensino sistemático pode assegurar um saber mínimo comum, que identifica uma profissão e lhe assegura a subsistência; Só um ensino sistemático das condições técnicas da objectividade permitirá ao jornalista o exercício responsável da sua missão fundamental, que é a informação objectiva; Só um ensino sistemático pode proporcionar os conhecimentos científicos psicossociais e tecnológicos que habilitem à utilização eficaz dos meios de informação colectiva e garantam uma informação colectiva idónea;