que o espírito está na base da sua organização e da sua vida. Podem não concordar todos com a orientação política ou captas medidas administrativas; mas se a honra e a Nação desaparecem da formação moral e intelectual do soldado, o Exército fica sem regra e sem finalidade. Quem é contra a Nação não pode ser militar»...

É sob a sua égide que vão ter lugar as reformas militares de 1937, que foram tão amplas e tão inovadoras que provocaram larga agitação política no País è grande preocupação nos meios militares.

Fossem ou não razoáveis as críticas e as preocupações - e autorizadas opiniões contemporâneas tecem-lhes os mais rasgados elogios -, parece de registar a coragem de impô-las numa situação política recém-saída de um golpe militar.

É ainda este homem que quer continuar tomando sobre si estas responsabilidades de natureza militar até quase ao termo da II Guerra Mundial, acumulando também o comando directo da acção diplomática neste período tão duro, tão arriscado e tão difícil.

As tropas hitlerianas, que já combatiam em África, permaneciam retidas nos Pirenéus por prodígios de sagacidade e de clarividência da política peninsular; os territórios portugueses espalhados pelo mundo estavam rodeados pelo espectro da guerra - que em Timor, infelizmente, foi dura realidade -, alguns deles situando-se em pontos nevrálgicos do Atlântico, naturalmente cobiçados por ambos os blocos em luta; e o País consegue atravessar intacto esta tempestade que devastava o mundo, sem comprometer a sua dignidade, nem o seu prestígio, nem os seus interesses.

Passados já 25 anos, a quem não viveu a época, com o seu condicionalismo tão dramático, com as paixões internas tão compreensivelmente exacerbadas pela grandeza e pela violência do conflito que tão próximo estava de nós e que criava dentro do País apaixonadas correntes de opinião pública a favor de cada um dos beligerantes, talvez lhe seja difícil compreender os prodígios de equilíbrio, de tacto, de firmeza e de inteligência que se tornavam necessários, e também a confiança moral que era preciso depositar em quem conduzia o País, para que pudesse ser vencida tão critica situação.

Considero de inteira, justiça estas palavras, posto que, se é verdade que o tempo desgasta naturalmente os homens - e não poupa portanto os homens públicos, também é verdade que enfraquece as memórias.

É, finalmente, ainda este mesmo homem que vê os derradeiros anos da sua vida assoberbados novamente com as mais graves preocupações militares e que, de novo também, resolve pessoalmente assumir as directas responsabilidades da condução da política militar.

O desencadear do terrorismo em Angola marca para Portugal o início; no seu território, desta nova e insidiosa forma de guerra em que o comunismo se especializou para levar a cabo os seus desígnios e que as grandes potências ocidentais manejam quase sempre tão desastradamente, talvez porque, com a sua prosperidade, foram deixando amortecer o valor que atribuem ao ideal.

É, de facto, uma nova forma de luta internacional em campo nacional, como Salazar já designara, a guerra em Espanha; é, na verdade, uma expressão clara e bem evidente daquela luta totalitária do comunismo contra o mundo ocidental, que parece esquecido de que o próprio Lenine - há cinquenta anos e já senhor da Rússia - o advertira, escrevendo num ensaio em que estuda e, estratégia e a táctica do marxismo, que a sua luta «é como luto encarniçada, sangrenta e não sangrenta, violenta e pacífica militar e económica, pedagógica e administrativa cantina os forças e as tradições do velho mundo».

É, pois, nestas circunstâncias particularmente melindrosas que Salazar resolve chamar a si as funções de Ministro da Defesa Nacional. Como vinte e sebe anos antes, quando enfarara no Ministério da Guerra, são brevíssimas as suas palavras, nos quais transparece a mesma firmeza e a mesma íntima convicção de servir o Pais.

Neste posto lhe coube sofrer - e sofrer com a Noção toda - o tão duro golpe que atingiu Portugal com a premeditada e brutal agressão contra a índia Portuguesa.

Um ano depois decide abandonar a pasta da Defesa, mas o velho estadista permanece, contudo, quer para aqueles que o louvam, quer para aqueles que o combatem, o símbolo inflexível da resistência.

É curioso, na verdade, observar como este homem, que, por temperamento e por formação, se diria nada ter de comum com os militares; que recebe de suas mãos o Poder e desde logo abertamente procura, conforme ele mesmo declarou,, aliviar a força armada das tarefas da governação para evitar que se transformasse num partido militar ou, ocupada em funções políticas e embaraçada nos meandros da administração pública, sé perdesse para missões mais altas - sabe conservar inalterável o seu apoio, sem que para isso houvesse de conceder privilégios ou benefícios, às corporações ou aos homens que as servem, havendo mesmo sido no geral bem parcimonioso no tratamento que lhes deu.

Para alguns pode parecer, de facto, incompreensível esta tão ampla e tão aberta colaboração que, nos momentos decisivos da vida do País, Salazar sempre encontrou nas forças armadas, este generoso apoio que recebeu daqueles homens que, à luz utilitária das coisas - segundo palavras que usou também -, pessoalmente, directamente, nada lucraram com a sua acção.

Creio fácil, todavia, encontrar a razão que o explica.

Havia, em primeiro lugar, em comum alguns traços pessoais: o seu estilo austero de vida, o gosto da disciplina, o culto dos valores morais, o apego a nobreza das atitudes e a forma como encarava a função pública. Mas, para além disso, havia, acima 'de tudo, o conceito que formava dos ideais superiores da nossa pátria, que naturalmente o levavam, nos momentos mais graves da vida nacional, a saber apresentar-se, não como o mero representante de uma administração que tem, evidentemente, os seus erros e as suas falhas, mas como o político lúcido e- intrépido que sabia situar-se, nessas horas singulares,- nas grandes linhas de rumo que correspondiam aos mais profundos sentimentos e interesses da Nação.